quinta-feira, 11 de setembro de 2014

ZONA ELEITORAL

ZONA ELEITORAL
Pedro Israel Novaes de Almeida
Com todos os defeitos e abusos, as campanhas eleitorais de outrora eram bem mais divertidas.
Times de futebol ganhavam uniformes e bolas. Dentaduras, tamanhos grande, médio e pequeno, iluminavam o sorriso dos eleitores.
Camisetas nunca faltavam. A princípio, eram roupas de sair, mas com o tempo viravam pijamas, e acabavam como panos de chão ou panos de lustrar móveis e sapatos.
Canetas, réguas, lixas de unha, calendários e chaveiros, além de telhas e tijolos, eram disputados. Casamentos e batizados tinham garantidos o churrasco, bolo e bebidas, desde que escolhidos os padrinhos certos.
Pobres escolhiam as caronas que eram insistentemente oferecidas. No dia da eleição, as caronas traziam os eleitores, mas a volta era difícil, pois após o voto a caminhada era certa.
Grupos de eleitores eram confinados em grandes quintais, e ali alimentados, saindo para o voto sem serem assediados pelo candidato adversário. Por serem manejados como gado, compunham o chamado curral eleitoral.
Candidatos cuidavam de solapar a propaganda e brindes dos adversários. Era praxe divulgar que o candidato que distribuía notas de 10 estava, na verdade, distribuindo notas de 50. Quem havia recebido 10 sentia-se enganado, e acabava não entregando o voto vendido.
Na apuração, escrutinadores, manejando uma disfarçada caneta, completavam o voto em branco, elegendo seu candidato favorito. Um eleitor, no começo da votação, colocava na urna uma propaganda, e levava para a rua a cédula original. Tal cédula, preenchida, era entregue a quem vendia o voto, e colocada na urna, e assim outra cédula virgem, original, ganhava a rua, em ciclo que durava o dia todo.
Comícios eram animados por cantores, tão famosos quanto as posses dos candidatos. Bêbados, previamente insuflados, e valentões encomendados, atrapalhavam o evento.
O povo era cumprimentado e saudado, sentindo-se o dono da festa. Cabos eleitorais brigavam entre si, tornando-se perpétuos desafetos, enquanto os candidatos retomavam a amizade alguns dias após o pleito.
Panfletos anônimos só não chamavam o adversário de santo, e boatos circulavam com insistência. Era um festival de imoralidades, a um só tempo condenadas e aplaudidas.
A propaganda, na rádio, era transmitida em bom ou péssimo som, ao sabor da preferência partidária do proprietário. Jornais, que sempre se intitulam imparciais, noticiavam que um candidato tinha por hábito ajudar os pobres, e outro atropelá-los.
As eleições de hoje são menos escandalosas e mais silenciosas, mas igualmente imorais. As campanhas iniciam educadas, mas aos poucos reina a pancadaria, com mentiras e promessas escandalosas. Candidatos, a maioria, são ofertados como produtos de fácil e simpático consumo, em embalagens que mascaram sua real aparência.
Na imoralidade de ontem, restava o benefício de um amontoado de brindes, e a sensação de haver sido respeitado, por pelo menos um dia. Na imoralidade de hoje, podem restar aos eleitos os brindes dos mandatos.
Pouco mudamos.

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