terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

DILMA está errando...por que...não tem como acertar

Dilma está errando por que... não tem como acertar

Por Alex Antunes

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Política é encenação. Para usar um termo não-moralista: é construção de narrativa. Por que Lula pode fazer ajustes “de direita” na economia, quando assumiu o primeiro governo, no início de 2003? Porque meramente sua vitória já era uma entrega simbólica enorme. Na verdade ele tinha a “licença para governar” à direita que o próprio PSDB não teria. Tomaria porrada dos movimentos, sindicatos etc.
Desse ponto de vista, a vitória de Lula (e seu pragmatismo econômico) foi uma sorte para o país. Por outro lado, assim que teve uns trunfozinhos econômicos na mão, Lula os reinvestiu em políticas de inclusão. Esse timing, combinado com alguma sorte no cenário internacional, foi cacife suficiente para Lula contornar contra-narrativas cruéis – como a exposição do mensalão –, e ser reeleito.
Não é que as pessoas não enxergassem os defeitos de Lula e de seu governo. É que no pacote, tal como era percebido, o país como um todo (e não sua elite excludente) parecia levar vantagem. Claro que a elite preservava e até ampliava algumas vantagens, como o setor bancário por exemplo, que bateu seguidamente recordes de lucro. Assim, calibrando a narrativa, Lula seguiu agradando à direita e à esquerda.
Lula é um intuitivo. Quando colocou Gilberto Gil no Ministério, por exemplo, poderia estar cometendo um erro de natureza populista similar ao de Fernando Henrique, que colocou Pelé à frente do Ministério Extraordinário dos Esportes em 1995, como se “celebridade” na área pudesse se transformar automaticamente em algum tipo de autoridade ou competência.
Porém Gil, sucedido por Juca Ferreira, não só trouxe um tipo de inteligência inédita, jovem e arrojada, para dentro da Esplanada, como acabou por ajustar a própria função simbólica do Ministério. (Era tão desimportante antes que Fernando Henrique pinçou um petista, Francisco Weffort, para encabeçá-lo.) Duvido que Lula tivesse alguma clareza de objetivos em fazer um “ministro tropicalista”, mas de um jeito ou de outro ele acertou em cheio.
Numa fase crescentemente otimista da economia, esse Ministério (mesmo sem muito recurso) cumpriu o papel do “do in antropológico” de que Gil havia falado, em ondas de autorreconhecimento e crescimento da autoestima cultural. É totalmente tropicalista a habilidade de fazer das mazelas e paradoxos graça e sucesso narrativos.
Já Marina Silva, escalada para a defesa do meio ambiente, em eterna rota de colisão com a área econômica, não pode (ou não conseguiu) fazer valerem suas concepções, igualmente inovadoras. Foi um erro de Lula não cacifar a potência política de Marina – mas esse erro não caiu diretamente na conta do ex-presidente. Veio cair mais tarde, na conta de Dilma (a ministra “escolhida” na ocasião).
Dilma sinalizou de cara que pensava pequeno. Para ficar no mesmo exemplo do Ministério da Cultura, indicou a “irmã de Chico Buarque”, uma intelectual menor, autoritária, ressentida e retrógrada. Que se incumbiu desmantelar a metafísica tribal-tecnológica da Cultura, devolvendo pequenos poderes à elite provinciana que representava: a intelectualidade menor, autoritária, retrógrada e ressentida com o século 21, como ela mesma.
Tudo isso, desconfio, para que a presidente pudesse convidar Chico Buarque ao palácio em alguma ocasião, uma “vitória” simbólica de esquerda mequetrefe (deveria ter investigado antes, e saberia que Chico não apoiaria a ida da própria irmã para o Ministério). Dilma, definitivamente, pensa esquisito.
À sombra de Lula, no primeiro governo, Dilma não teve espaço para alucinar. Claro que também não alcançou nenhuma grandeza narrativa. Antes de ser colhida pelos protestos de julho de 2013, o melhor que seu governo conseguia pensar era uma campanha com Regina Casé oferecendo crédito para comprar tranqueiras para encher a casa própria recém-adquirida.
É exatamente aí que começa a autodesconstrução de Dilma. Sem coragem política para surfar o movimento e nem para se opor a ele, começou a pendular entre o novo patamar das exigências populares e as chantagens da base fisiológica que Lula havia construido (fisiologismo que está na origem dos pagamentos do mensalão). Acontece que Lula tinha um tamanho político que lhe permitia abraçar e negociar essas contradições; Dilma nunca chegou nem perto disso.
Confrontada na reeleição com o potencial de Marina, que reunia um histórico de militância com a aproximação com um eleitorado de centro-direita (quer coisa mais lulista do que isso?), e que poderia romper com a dicotomia PT-PSDB, Dilma teve que fazer a história voltar 12 anos. Fingir que ainda estávamos tentando eleger Lula pela primeira vez, e não elegendo um presidente petista pelo quarto mandato consecutivo.
Porque Dilma simplesmente não tem como acertar? a) Porque para garantir a reeleição, teve que prometer uma guinada à esquerda que redespertou a paixão da militância – mas não tem como pagar essa guinada. E nem tem a chance, como Lula teve, de ser conivente com a elite econômica, recebendo ao mesmo tempo a conivência dos movimentos e sindicatos. Dilma precisa (e inclusive quer) governar como Aécio governaria. Mas não há como explicar porque alguém derrotaria Aécio… para agir como Aécio. Essa narrativa torta pode ser simplificada como “Dilma mentiu”. É o que cada vez mais gente acha. Já Lula, quando fez mais ou menos as mesmas coisas, “fez o que tinha que ser feito”. Percepção política é um negócio cruel, e irracional.
E b) Sob pressão, Dilma escolhe sozinha, e escolhe mal. É ressentida, controladora e vingativa: faz o gênero “vocês vão ter que me engolir”. Bancou sua amiga Kátia Abreu no Ministério (o símbolo mais hostil aos movimentos sociais que poderia haver); bancou sua amiga Graça Foster na presidência da Petrobrás muito além do razoável. Deveria ter aprendido com Lula como rifar amigos ao sinal de pressão mais intensa, um instante antes de virar questão de honra.
Trazer agora o Juca Ferreira de volta é apenas um detalhe bobo e descontextualizado, uma migalha irrelevante, mesmo que Juca faça uma boa gestão. Para apagar qualquer otimismo, num exagero de burrada, Dilma coloca na Petrobrás “o amante de Val Marchiori”, conseguindo fundir as pautas política e econômica com a policial e de celebridades. Isso numa semana cheia de más notícias políticas e econômicas – e policiais.
Uma coisa que o PT não pode tolerar (por ser avesso à sua própria natureza) é ser totalmente alienado de suas bases sociais – e é exatamente isso que a presidência está fazendo. Sinais são de que vão jogar tudo na conta da, err, presidenta. Na dúvida, Lula faz jogo duplo: afirma por um lado que há uma ação para “impedir que Dilma conclua seu mandato, criando todo e qualquer processo de desconfiança”.
Mas, por outro, afirma que o PT merece essa desconfiança, já que “tem se tornado cada vez mais um partido igual aos outros”. Eu não duvido nada de que algum estrategista petista já esteja pensando se um impeachment de Dilma agora (que poderia ser chamado de “golpe da burguesia”) não seria um caminho possível para a volta de Lula ao poder em 2018.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

19 das 50 cidades mais violentas do mundo são brasileiras

 
A violência epidêmica está em disparada galopante. Isso ocorre desde 1980, quando tínhamos 11 mortos para cada 100 mil pessoas; em 2012, pulamos para 29 para cada 100 mil habitantes (veja Mapa da Violência). Tanto os governantes (perdidos na corrupção endêmica, de que a Petrobras e o metrô de SP são repugnantes exemplos) como outras lideranças nacionais (com raras exceções, topeiras ideológicos de esquerda ou de direita, liberal ou conservador, que não conseguem enxergar nada além das suas contas bancárias), incluindo-se também a sociedade civil (insolidária e fortemente ignorante: ¾ são analfabetos funcionais), continuam com os olhos tapados para a cruenta realidade (que vem provocando êxodos imensos em vários bairros periféricos dos grandes centros urbanos). De uma peste leprosa (violência epidêmica) não se pode esperar boa coisa. A paciência do povo tem limite (ainda que se trate de um povo amedrontado, conformista e acovardado pelo ambiente hostil). Povo que parece estar se acostumando com a violência, como se fosse uma lei da natureza.
Em 2011, tínhamos 14 das 50 cidades mais violentas do planeta; esse número subiu para 15 em 2012 e 16 em 2013 (Maceió, Fortaleza, João Pessoa, Natal, Salvador, Vitória, São Luís, Belém, Campina Grande, Goiânia, Cuiabá, Manaus, Recife, Macapá, Belo Horizonte e Aracaju). Em 2014 chegamos a 19 (por ordem crescente de homicídios): João Pessoa, Maceió, Fortaleza, São Luís, Natal, Vitória, Cuiabá, Salvador, Belém, Teresina, Goiânia, Recife, Campina Grande, Manaus, Porto Alegre, Aracaju, Belo Horizonte, Curitiba e Macapá. João Pessoa, agora, das grandes, é a cidade mais violenta do país. Como se vê, o termômetro da violência no Brasil e na América Latina está aumentando (conforme os números apresentados pela Organização da Sociedade Civil mexicana, chamada Consejo Ciudadano para la Seguridad Pública y la Justicia Penal, que divulgou, em janeiro de 2015, o ranking das 50 cidades mais violentas do planeta - cidades com mais de 300 mil habitantes).
A cidade hondurenha de San Pedro Sula ocupa, pelo quarto ano consecutivo, o primeiro lugar no ranking com taxa de 171,2 homicídios por cada grupo de 100 mil habitantes. Atrás dela, assim como em 2013, vêm Caracas (Venezuela) e Acapulco (México), com taxas de 115,98 e 104,16 homicídios por cada 100 mil habitantes, respectivamente. Em seguida aparece a primeira cidade brasileira (João Pessoa, com 79 assassinatos para cada 100 mil pessoas). Eis o ranking:

Saíram da lista de 2014 a seguintes cidades que apareciam em 2013: Santa Maria (Colômbia), San Juan (Puerto Rico), Maracaibo (Venezuela) e Puerto Príncipe (Haiti). Em contrapartida, entraram mais três cidades brasileiras: Teresina, Porto Alegre e Curitiba. A diminuição mais significativa (de 2013 para 2014) ocorreu na cidade mexicana de Torreón (uma redução de 49%, passando de 54,24 em 2013 para 27,81 em 2014). Os aumentos mais expressivos ocorreram na cidade norte-americana de St. Louis (46,27%) e na cidade salvadorenha de San Salvador (36,79%).
Das 50 cidades do ranking, 19 estão no Brasil (campeão mundial nesse item), 10 no México, 5 na Colômbia, 4 na Venezuela, 4 nos Estados Unidos, 3 na África do Sul e 2 em Honduras. Com uma cidade temos El Salvador, Guatemala e Jamaica. A grande maioria das 50 conglomerados urbanos mais violentos do planeta está no continente americano (47 cidades), particularmente na América Latina (43 cidades). Recorde-se que a América Latina foi colonizada pelos espanhois e portugueses dos séculos XVI-XVIII, dois povos (então) extremamente violentos (ambos saídos das guerras contra os mouros), corruptos, violadores sexuais, pouco afeitos ao trabalho, extrativistas, fiscalistas, patrimonialistas, teocráticos e autoritários-patriarcais (A América Latina de 2015 padeceria ainda desses pecados capitais originais?)
Não estão incluídos nos assombrosos números citados os homicídios tentados. As fontes dos dados apresentados são oficiais ou alternativas (são dados e/ou estimativas verificáveis ou replicáveis). Considerando-se não apenas o ranking de 2013 senão também os dos anos anteriores, o caso de maior redução no número de homicídios foi o de Medelín, na Colômbia (que promoveu uma das mais revolucionárias políticas sociais e preventivas das últimas décadas): essa comunidade, que chegou a registrar taxas de 400 homicídios por 100 mil habitantes, em 2010 ocupou a décima posição no ranking com uma taxa de 82,62 homicídios por cada 100 mil habitantes; em 2014 caiu para a posição 49 com uma taxa de 26,91 homicídios por cada 100 mil habitantes. Ou seja, ao longo de 4 anos, a taxa diminuiu 67%. O relatório afirma que, se essa tendência se mantiver, é quase certo que, em 2015, Medelín sairá da lista.
Existe solução para o problema? No Brasil, as autoridades encarregadas da segurança pública continuam, em termos preventivos, com o discurso verborrágico nefasto da aprovação de novas leis penais mais duras e encarceramento massivo aloprado (sem critérios de justiça: muitos não violentos estão na cadeia, enquanto milhares de violentos estão nas ruas). Foram editadas 154 leis penais de 1940 a 2014; somos o 3º país do mundo em superlotação carcerária (mais de 700 mil reclusos, incluindo a prisão domiciliar). Nada disso diminuiu a criminalidade. Conclusão: praticamos no Brasil a política criminal mais burra do planeta (e enganosa da população, ávida para ser vitimizada): gastamos muito com segurança pública (mais de R$ 260 bilhões de reais em 2014, segundo o Fórum da Segurança Pública), sem nenhuma eficácia preventiva. Reprimimos pouco (é baixíssima a certeza do castigo: apenas 8% dos homicídios são apurados, conforme o Mapa da Violência) e não prevenimos nada. Daí o aumento contínuo da criminalidade. A única solução para a segurança pública é o Brasil (hoje 79º colocado) sair do 2º grupo do IDH (índice de desenvolvimento humano) e entrar no 1º, que tem a média de 1,8 assassinatos para cada 100 mil pessoas. Vejamos:
19 das 50 cidades mais violentas do mundo so brasileiras
Com exceção dos EUA, todos os países que contam com as 50 cidades mais violentas pertencem ao 2º ou 3º grupo do IDH:
19 das 50 cidades mais violentas do mundo so brasileiras
A violência epidêmica nesses países extremamente desiguais (Gini altíssimo) não acontece por acaso (a relação de causa e efeito é óbvia). E por que os EUA (5º IDH do mundo) contam com 4 das 50 cidades mais violentas? Porque é um dos países mais ricos do mundo e, ao mesmo tempo, mais desiguais do planeta (Gini 0,45). Por que na lista das 50 cidades mais violentas não aparece nenhuma da Europa? Porque seus países viveram um bom período de bem-estar social (anos 60/80), elevando a escolarização, a saúde e a renda per capita da população. Seu Gini médio (Europa) é de 0,30 (ou seja: baixa desigualdade). Essa é a solução: elevar a escolaridade, a saúde e a renda per capita da população brasileira (ou seja, o IDH). Fora disso, só resta ficar enxugando gelo com toalha quente. E ainda ficar enganando a parcela abobalhada e ignorante da população brasileira, que acredita nas baboseiras e promessas dos políticos justiceiros assim como de outras lideranças nacionais, atoladas na corrupção endêmica. * Colaborou Flávia Mestriner Botelho, socióloga e pesquisadora do Instituto Avante Brasil.