quinta-feira, 30 de julho de 2015

Nosso apoio neofeudalista ao aparelhamento do PT foi um erro crasso


Nós, os senhores neofeudais, somos uma organização plutocrática (acreditamos, portanto, no governo dos mais ricos, não necessariamente dos mais sábios como imaginavam Aristóteles e Platão) e oligárquica (governo de poucos com capitalismo de compadrio, ou seja, um jogo econômico de cartas marcadas, onde já se sabe de antemão quem ganha e quem perde). Fundamos, em 1500, uma sociedadeneofeudalista (que busca a maior fidelidade possível a essa forma de organização social extremamente desigual, que vem da Idade Média). Coerentes com nossos programas, apoiamos e difundimos ideias ultraconservadoras e até mesmo racistase fascistas, mas sempre com o objetivo de preservar nossos superiores interesses, condensados no denominador comum da acumulação de capitais (a mais concentrada possível). Não importa quem está no governo (PT, PSDB, PMDB etc.), o fundamental é nunca perder o poder e o controle dos políticos.

Ao longo dos séculos fomos elaborando o nosso “contrato social”, inspirados em doutrinas alienígenas - Hobbes, Locke, Rousseau e tantos outros -, mas sem nunca deixar de o ajutar ao mesmo tempo à nossa realidade subequatorial (abaixo do equador tudo é possível, mesmo o que é proibido). Nós corremos riscos nos nossos negócios e vivemos evidentemente do nosso trabalho, mas também somos fortemente fomentados pelo parasitismo (exploração e extrativismo, de tudo e de todos). Como não existe nenhuma instituição perfeita, os mais arrojados do nosso clube modelo, sempre que as condições ambientais se mostram favoráveis, buscam também o enriquecimento por vias ilícitas. É o grupo dos cleptocratas (que estruturam os governos dos ladrões).
Nosso apoio neofeudalista ao aparelhamento do PT foi erro crasso
Temos um histórico de grandes êxitos neofeudalistas (em pleno século XXI, por exemplo, ainda estamos conseguindo segurar o Brasil com Índice Gini de 0,51, que é um dos mais desastrados do planeta). Construímos um Brasil oligarquicamente rico (aqui reside nosso primeiro grande triunfo), mas com serviços públicos paupérrimos, indecentes e deploráveis (nisso descansa nossa segunda glória). Nos últimos 13 anos, no entanto, cometemos muitos erros. O maior deles foi não termos avaliado corretamente o elevadíssimo risco que corríamos em promover o financiamentocorruptivo do aparelhamento do Estado para a preservação do poder nas mãos das bandas podres das esquerdas (que nunca foram nossa praia ideológica). Esse foi nosso maior erro em 515 anos. É isso, aliás, que explica o encarceramento de muitos dos nossos heroicos combatentes.
Acertamos no que diz respeito ao enriquecimento ilícito do nosso setor cleptocrata. A prosperidade foi imensa. Para nosso orgulho, alguns dos nossos cleptocratas (bancos, empreiteiras, meios de comunicação etc.) estão dentre as 500 maiores fortunas do planeta. Mas agora estamos amargando as consequências dramáticas desse enorme equívoco principiológico. Era mais do que previsível que o atual ódio do brasileiro contra a corrupção e o sempre desprezo pelas ideias progressistas - ódio que eclode, sobretudo, quando a economia vai mal - viesse alcançar não apenas os políticos à gauche e seus asseclas no presidencialismo de coalização, senão também os seus mantenedores e provedores (ou seja, seus mecenas, que fomos nós, os senhores neofeudais, os mais poderosos econômica e financeiramente).
Foi mesmo uma grande burrice nossa não atentar para a advertência de Dédalo a seu filho Ícaro: Ícaro e seu pai Dédalo (que era arquiteto) estavam refugiados em Creta, junto ao rei Minos. Depois do nascimento do seu filho Minotauro (corpo de homem e cabeça de touro), foi construído um labirinto para aprisioná-lo. Ele acabou sendo morto por Teseu (veja Wikipedia); Ícaro e Dédalo ficaram presos no labirinto. Estes, para reconquistarem a liberdade, construíram asas artificiais, usando cera do mel de abelhas e penas de gaivotas. Antes da fuga, o pai alertou o filho de que não podia voar perto do Sol, porque ele derreteria a cera das asas coladas ao seu corpo; nem muito perto do mar porque, se tocasse suas águas, suas asas ficariam muito pesadas. Ícaro não ouviu os conselhos do pai e, tomado pelo desejo, voou próximo ao Sol; o calor fez com que perdesse as asas e despencasse no mar Egeu, enquanto seu pai, aos prantos, voava para a costa.
Moral da narrativa: Ícaro pode voar alto, talvez até consiga atingir alturas impensáveis, mas não pode alcançar o cume, o topo, ou seja, o Sol. Nós, os senhores neofeudais, incluindo as bandas podres cleptocratas do nosso clube (com destaque para as empreiteiras, cf. Estranhas Catedrais), sempre praticamos nossas roubalheiras do dinheiro público (tanto nas democracias como nas ditaduras, seja em governos conservadores ou de esquerda, PT ou PSDB etc.), mas não podíamos nos aproximar da estrela solar das esquerdas que foram se corrompendo para a preservação do poder. Hoje sabemos que alguns se enriquecerem pessoalmente, mas o grande projeto era o aparelhamento do Estado para se perpuarem no comando da nação. Tudo isso foi financiado com o dinheiro da corrupção que nós, os senhores neofeudais, conquistamos. Agora o ódio da população se voltou contra nós também. Estamos em desgraça. Viramos estereótipo criminoso. Como é triste ver alguns dos nossos camaradas, depois de se lambuzaram de tanta corrupção, inclusive no programa “Minha Casa, Minha Vida”, estarem hoje presos em cubículos medievais, escrevendo suas biografias intituladas “Minha Cela, Minha Vida”.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

ALIMENTOS SAUDÁVEIS

Pedro Israel Novaes de Almeida
É crescente a procura por alimentos orgânicos.
Apesar do maior custo ao consumidor, tais alimentos continuam sendo um atraente nicho de mercado, e os pontos de venda são cada vez mais visitados. O consumo encontra-se, em sua maioria, confinado a pessoas com curso superior, com renda acima da média da população.
A produção de alimentos orgânicos utiliza, em regra, mais mão-de-obra humana que a produção convencional, e o manejo do solo e entorno, para iniciar a produção orgânica, é demorado e oneroso. Por óbvio, seu custo de produção é maior, até pelo fato da produção ser menor, por unidade de área.
O grande atrativo da produção orgânica é a ausência de resíduos potencialmente danosos à saúde, o que nem sempre é verdade, pois estercos também são capazes de poluir, e está cada vez mais difícil encontrar fontes de água sem contaminações.
Soa lógico que alimentos orgânicos são saudáveis, mas existe uma injusta e genérica condenação dos alimentos tradicionais, rotulados, não raro, como venenosos. A agricultura tradicional continua sendo necessária, para abastecer a crescente demanda por alimentos, principalmente no abastecimento de humanos e outros animais e aves.
Agricultores conscientes utilizam insumos de maneira tecnificada e responsável, gerando produtos cujos resíduos, se existentes, foram intensamente pesquisados, concluindo pelo grau de aceitação, como não danosos à saúde, mesmo em processo cumulativo.
Ocorre que, no Brasil, a atuação oficial no monitoramento de resíduos e fiscalização de defensivos, é incipiente, beirando a irresponsabilidade. São muitas as contaminações de empregados, patrões e consumidores, causando sequelas e até mortes, quase sempre atribuídas a Deus.
Muitas culturas não possuem recomendações de uso de defensivos, pela pouca relevância econômica, mas são continua e necessariamente produzidas e consumidas. Aqui, imprescindível a atuação oficial, na área da pesquisa agronômica e geração de tecnologia.
O consumidor, pela preferência que dispensa a produtos agrícolas de aparência impecável, acaba premiando o agricultor que utiliza de maneira intensiva e por vezes errônea defensivos. Produtos de bela imagem são comercializados com maior facilidade, a preços mais atraentes.
Um furinho no pepino, ou uma manchinha no pimentão, podem ser sinais de poucos defensivos, mas acabam descartados, por grande parte dos consumidores. O leite que recebeu adição de uma água qualquer, quando in natura, tem a aparência de maior teor de gordura, quando comparado ao leite pasteurizado e padronizado.
Moradores do interior, mormente de pequenas cidades, possuem o privilégio de conhecer pessoalmente os produtores, e basta meia hora de conversa, na padaria da praça, para saberem quem costuma abusar do uso de defensivos agrícolas.
pedroinovaes@uol.com.br
O autor é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

SAIBA MAIS DETALHES SORE CRIMES HEDIONDOS

Crimes Hediondos: dicas rápidas que podem salvar uma questão em sua prova


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Como adotamos o critério legal, são hediondos somente os crimes elencados no art. da Lei 8.072/90. Por essa razão, não se fala, por exemplo, em hediondez na hipótese de homicídio do Presidente da República, pois o art. 29 da Lei 7.170/83 não integra o rol.
São hediondos os seguintes delitos:
  • homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, incisos I, II, III, IV, V, VI e VII)
  • lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts.1422 e1444 daConstituição Federall, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;
  • latrocínio (art. 157, § 3º, in fine)
  • extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º)
  • extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lº, 2º e 3º)
  • estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º)
  • estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º)
  • epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º)
  • falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B)
  • favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º)
  • genocídio (Lei 2.889/56).
Infelizmente, o rol dos crimes hediondos está entre aqueles assuntos que devem ser memorizados. Em prova, dificilmente será questionado se um crime X é o não hediondo. No entanto, é possível que a banca pergunte a respeito de prazos de prisão temporária ou de progressão de regime na hipótese de determinado delito, diferenciados em crimes hediondos.
Fique esperto: a tentativa não afasta a hediondez! Portanto, na hipótese de tentativa de estupro ou de homicídio qualificado, por exemplo, o crime permanecerá hediondo, devendo ser aplicada a Lei 8.072/90.
As “pegadinhas” em relação ao homicídio na Lei de Crimes Hediondos são sempre as mesmas. Questionarão se é possível a existência de um grupo de extermínio composto por uma única pessoa – a redação do art. 1º, inciso I, pode fazer com que o leitor chegue a tal conclusão. A resposta é não. O que o dispositivo quis dizer: não é preciso que todos os integrantes do grupo de extermínio participem da execução do homicídio para o reconhecimento de sua existência ou de sua hediondez.
Há divergência quanto ao número mínimo de integrantes de um grupo de extermínio. A Lei 8.072/90 não diz, mas boa parte da doutrina entende que a formação é a mesma da associação criminosa (CP, art. 288): três ou mais pessoas.
Não confunda grupo de extermínio com concurso de pessoas. Se Caio, Tício e Mévio decidem matar João, a hipótese será de homicídio em concurso de pessoas, e não de grupo de extermínio. Por outro lado, se o trio decide matar torcedores de determinado time, estará caracterizado o grupo de extermínio. Explico: a principal característica do homicídio em atividade típica de grupo de extermínio é a impessoalidade. A vítima é assassinada em razão de alguma característica especial (ex.: ser mendigo), e não por ser A ou B. A sua identidade é irrelevante para o homicida.
Em Direito, há exceção para tudo. No entanto, em relação às qualificadoras do homicídio, fique esperto: todas elas tornam o crime hediondo.
No § 1º do art. 121 do CP está previsto o intitulado homicídio privilegiado – na verdade, não é privilégio, mas causa de diminuição de pena -, hipótese em que o agente mata “impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima”. Não é crime hediondo, pois não está no rol do art.  da Lei 8.072/90.
Todavia, há uma situação que pode causar confusão: a do homicídio qualificado-privilegiado. Explico: O § 2º do art. 121 do CP possui qualificadoras de natureza objetiva (incisos III e IV) e subjetiva (I, II, V e VI). O homicídio privilegiado é compatível com as qualificadoras de natureza objetiva (ex.: o pai que mata o estuprador da filha com o emprego de veneno). Neste caso, o homicídio será considerado, ao mesmo tempo, qualificado e privilegiado. Surge, então, a dúvida? Ele será hediondo? A resposta é não. A razão: em primeiro lugar, não há previsão no art.  da Lei8.072/90. Ademais, não seria coerente, em um mesmo contexto, diminuir a pena e impor os malefícios da Lei dos Crimes Hediondos.
Agora, imagine a seguinte situação: Tício, agindo com vontade de matar por motivo torpe – logo, qualificado -, dispara tiros contra Mévio. No entanto, por erro na execução, atinge Caio, que vem a falecer. Pergunto: o fato de Tício atingir pessoa diversa da pretendida afasta a hediondez do crime? E se Tício confundisse as vítimas, e, ao invés de atirar em seu inimigo, matasse o seu irmão gêmeo? Nas duas hipóteses, o homicídio será hediondo. Isso porque, tanto na hipótese de “aberratio ictus” (CP, art. 73) quanto na de “erro sobre a pessoa” (CP, art. 20§ 3º), leva-se em consideração a vítima pretendida, e não a efetivamente atingida. Logo, se o homicídio foi praticado por motivo torpe (ou presente outra qualificadora), ele será hediondo, ainda que o agente não mate a vítima desejada, mas pessoa diversa.
Em 2009, o CP passou a contar com o § 3º em seu art. 158 (extorsão), com a seguinte redação: “Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente.”. Trata-se do intitulado “sequestro relâmpago”, que, por razões inexplicáveis, não foi incluído ao rol de crimes hediondos, ainda que ocorra a morte da vítima. Alguns autores entendem que o delito seria hediondo em razão da remissão que o dispositivo faz ao art. 159, §§ 2º e 3º, mas o raciocínio não deve prevalecer, pois, como já dito, o critério adotado para que um crime seja considerado hediondo é o legal. Ou seja, se um delito estiver no rol do art.  da Lei 8.072/90, é hediondo. Senão, não.
São equiparados aos crimes hediondos o tráfico de drogas, o terrorismo e a tortura. Significa dizer que a Lei 8.072/90 é aplicável a eles, exceto quanto ao que lei própria dispuser de outra forma. Por isso, as disposições da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas) e da Lei 9.455/97 (Lei de Tortura) devem prevalecer quando em conflito com a Lei de Crimes Hediondos (princípio da especialidade), que deve funcionar como norma geral.
Os crimes hediondos e equiparados são insuscetíveis de anistia, graça, indulto e fiança.
Perceba que o que a Lei 8.072/90 veda, em seu art. II, é a fiança, e não a liberdade provisória. Portanto, é possível que o acusado por um crime hediondo aguarde o desfecho da ação penal solto. O que não é possível, no entanto, é que a liberdade seja condicionada ao pagamento de fiança, por expressa vedação legal, mas o juiz não está impedido de impor outra das medidas cautelares do art. 319 doCPP.
No art. § 1º, a Lei 8.072/90 afirma que o condenado por crime hediondo iniciará o cumprimento da pena necessariamente em regime fechado, pouco importando o “quantum” de pena fixado. Todavia, o STF, ao julgar o HC 111.840/ES, declarou, em controle difuso, a inconstitucionalidade do dispositivo, e entendeu que o condenado por crime hediondo pode iniciar o cumprimento da pena em regime diverso (aberto ou semiaberto). Significa dizer que o dispositivo permanece em pleno vigor, mas tem sido afastado pelos Tribunais Superiores. O STJ tem seguido o entendimento, como é possível constatar no HC 306.352/SP, publicado no dia 24 de fevereiro de 2015.
A progressão de regime em crimes hediondos se dá com 2/5 (dois quintos), se primário o condenado, ou 3/5 (três quintos), se reincidente. É importante que o leitor memorize as frações, pois são cobradas em provas.
Em relação à prisão temporária, os prazos na Lei 8.072/90 são diferenciados. Em regra, a prisão temporária pode ser decretada por 5 (cinco) dias, prorrogáveis por mais 5 (cinco) dias. Tratando-se, no entanto, de crime hediondo, o prazo é de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade. No entanto, atenção: alguns crimes hediondos não estão no rol da Lei7.960/89, que prevê, em seu art. III, quais delitos estão sujeitos à medida. Como o rol é taxativo, é possível afirmar que alguns crimes hediondos não são passíveis de prisão temporária do agente que os pratica (ex.: a hipótese do inciso I-A, a lesão corporal contra determinados agentes públicos, incluído pela Lei 13.142/15).
A Lei 8.072/90, em seu art. § 3º, transmite a ideia de que, proferida a sentença condenatória, ainda que não tenha ocorrido o trânsito em julgado, o acusado deverá, em regra, ser preso, ainda que recorra da decisão – “Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.”. Entretanto, o fato de estar sendo acusado por um crime de maior gravidade não retira do réu garantias constitucionais a todos garantidas, como a presunção de inocência ou de não culpabilidade. Portanto, se o acusado permaneceu solto até a sentença condenatória, só será possível a decretação da prisão preventiva se presentes os requisitos do art. 312 do CPP, senão, ele deverá permanecer solto, não podendo o juiz vincular o conhecimento do recurso ao recolhimento à prisão.

NEYMAR E A LIBERDADE RELIGIOSA

Neymar e a liberdade religiosa

A controvérsia e a bem-aventurança.


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Após Neymar usar uma faixa escrito “100% Jesus” na testa, Juca Kfouri e Marcelo Rubens Paiva publicaram comentários em seus respectivos blogs. Reproduzo-os a seguir comentando cada um deles.
Na Copa do Mundo, ano passado, o genial brasileiro vendeu cuecas e depois negou. Agora, na Liga dos Campeões, pôs Jesus no jogo desnecessariamente, como já havia feito antes, sempre esquecido de que os derrotados também podem tê-lo em seus corações. Seria tão melhor se certas intimidades fossem como deveriam ser, isto é, apenas íntimas. Até porque, convenhamos, precisar Neymar não precisa. (Juca Jfouri[1])
Caro Juca,
Gosto de você. Quanto ao seu comentário, no entanto, quem tem que ir "menos" é você. Menos, Juca, menos. Menos desrespeito à liberdade religiosa. Menos preconceito religioso, Juca, menos.
Anoto que não acho boa a ideia de pressupor que o gesto da testeira seja igual ao da cueca. Pode até ser que um dia aparece uma marca “100% Jesus” à venda, mas não me parece que tenha sido um movimento comercial. Você está julgando mal o rapaz, é o que acho.
Você disse que ele citou Jesus “desnecessariamente”. Quem lhe colocou na posição de censor da religiosidade do Neymar? Ainda que celebridade, Neymar tem o direito a ter e a expressar sua fé. Aliás, toda pessoa tem o direito de professar sua fé na forma como julgar adequada. Isso está em todas as declarações de Direitos Humanos e na nossa Constituição Federal.
O fato de você, ou qualquer outra pessoa, não querer expressar sua fé não significa que seu modo de ver as coisas seja o correto. Você considera isso uma “intimidade”, mas quem disse que o Neymar ou qualquer outro tem que considerar sua fé algo “íntimo”? A fé também tem foro íntimo, mas não tem que ficar limitada a esse plano. Se pesquisar um pouco a Bíblia verá que faz parte da religiosidade cristã assumir a fé. Querer levar a fé para o íntimo, circunscrita a espaços privados é um postulado materialista que não tem base legal, constitucional etc. Não aceitamos essa ideia de guetos. Não aceitamos a ideia de degredar nossa fé em Jesus. Isso é Jesusfobia.
Voltemos ao que pensam os cristãos. Jesus disse: “Quem, pois, me confessar diante dos homens, eu também o confessarei diante do meu Pai que está nos céus. Mas aquele que me negar diante dos homens, eu também o negarei diante do meu Pai que está nos céus” (Mateus 10:32,33). Então, confessar Jesus como fez Neymar, é algo típico da fé cristã.
Jesus também diz para sermos brilhantes e darmos a Deus toda a glória por isso. Isso foi o que Neymar fez. Brilhante, você mesmo disse que ele foi. Jesus disse: “Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus” (Mateus 5:16).
Juca, você também criticou Neymar dizendo que ele estaria “esquecido de que os derrotados também podem tê-lo em seus corações”. Ora, desde quando o vencedor agradecer a Jesus significa que os derrotados não têm ou não poderiam ter Jesus? Cito aqui outro cristão que honra a Jesus: o zagueiro David Luiz. Quando ele fez aquele belo gol na Copa, disse que dava toda a glória a Jesus. Direito dele fazer isso. Ou você dirá também... Menos, David Luiz, menos? Cito o caso, pois quando levamos o 7 x 1 da Alemanha o mesmo David Luiz teve em Jesus consolo e companhia em um momento difícil. É assim, Juca: Jesus está conosco em todos os momentos.
As únicas coisas certas que você falou nessa matéria foram, uma, que Neymar é brilhante e, outra, que, “convenhamos, precisar Neymar não precisa”. Realmente não precisa. Ele poderia ficar calado e atender aos reclamos de uma sociedade que persegue a fé e critica toda manifestação religiosa. Ele poderia ficar calado, sim, mas agiu como cristão. Ele assim fez porque quis, porque é um direito dele, porque quis honrar a Jesus.
Jesus, a quem cito novamente, antecipou a notícia da sua crítica ao Neymar. Sim, Juca, Jesus profetizou que você iria criticar Neymar. Está no Sermão do Monte, em Mateus 5:11 e 12: “Bem-aventurados serão vocês quando, por minha causa os insultarem, perseguirem e levantarem todo tipo de calúnia contra vocês. Alegrem-se e regozijem-se, porque grande é a recompensa de vocês nos céus, pois da mesma forma perseguiram os profetas que viveram antes de vocês”. Então, só posso dizer uma coisa: Bem-aventurado, brilhante Neymar, Bem-aventurado!
Outra coisa comum nos cristãos, eu faço agora, que é um convite: Juca, se você deixar Jesus entrar no seu coração vai ser muito bom. Ele traz descanso para nossas almas, ele é manso e humilde de coração, o seu jugo é suave e o seu fardo é leve (Mateus 11:28,30).
Deve ser idolatrado por crianças palestinas, africanas, asiáticas, árabes, eslavas, por ortodoxas, judias, muçulmanas, budistas, agnósticas (32,2% da China), xintoísta, hinduístas (mais de 1 bilhão).
Mas decidiu homenagear apenas um grupo religioso, na sua grande conquista (o único jogador do time com uma faixa no cabelo): 100% JESUS.
Neymar foi o assunto mais comentado do Twitter no final da tarde de ontem. Muitos não entenderam a faixa. Foi um dos nomes do jogo, com uma assistência genial, uma arrancada e um gol no final. Com Messi baleado, infernizou a defesa adversária, roubou bolas, teve um gol anulado, cavou faltas. Era sábado, final da Champions, o jogo de clubes mais esperado do ano. Barça contra Juve, dois times 5 vezes campeão. A escola espanhola contra a italiana.
Graças a NEYMAR, deu Barça, o time que “é mais que um clube” (seu slogan). O jogo teve quase 1 bilhão de espectadores no mundo todo. Barça talvez seja o time mais popular. Neymar, um dos 3 grandes ídolos internacionais, com Messi e Cristiano Ronaldo, empatados na artilharia da Champions.
Fãs que acompanham o jogador há anos logo lembraram que, em outras finais importantes da carreira, ele comemorou com a mesma faixa. Perguntei no Twitter, por quê?
Muitos disseram que ele é livre para manifestar sua fé. E é mesmo. Apesar do time que até 2013 se vangloriava de não ser patrocinado por nenhuma empresa, ser agora patrocinado pela Qatar Airways, do país Catar (Qatar), em que 80% são muçulmanos, seguidores do Islã.
“100% mico”, tuitaram alguns.
@mendesoswaldo tuitou: “100% Jesus é para o Santos não cobrar sua (dele) parte?”
@bel_fernanda: “Para dar um de bom moço pra torcida do Brasiiiillll”
@psergiomatos: “Pra quem tá com a Receita no encalço tudo pode ajudar…”
@jumio: “0% pra Receita Federal”
@DonCrspulo: “Completou o Download”
O apresentador e meu ex-vizinho Sidney Garambone: “Jesus é catalão?”
Sou fã de Neymar, e mais ainda de Jesus. Mas sei que cada um deve estar no seu tempo e lugar. 100% desnecessário. (Marcelo Rubens Paiva[2])
Caro Marcelo Rubens Paiva,
Critiquei a intolerância e preconceito do Juca Kfouri. Depois, li sua matéria e a primeira coisa que pensei foi: esta aqui foi educada, inteligente, bem escrita etc. Parabéns pela sua cordialidade e argumentos. Mesmo assim, permita-me discordar de alguns pontos.
Acho que talvez Neymar esteja mal assessorado, mas em pontos como os que tratam dos problemas tributários. Ele, como todo brasileiro, é achacado pelo furor fiscal e espero que resolva logo essa desagradável questão.
Discordo, porém, da sua visão de que ele quis homenagear apenas um grupo religioso. A meu ver, ele quis homenagear Jesus mesmo. De fato, se fosse para fazer “média”, poderíamos fazer uma lista “melhor” de coisas para colocar na testeira.
Acho que ele tem o direito de não ser patrocinado, se vangloriar disso, e mudar de ideia. Por que não teria? E se 80% das pessoas no Qatar são muçulmanos, penso que ele merece nosso aplauso por não se curvar mais aos interesses comerciais do que ao seu Deus. Criticam-no por ser “marqueteiro” e esquecem o quanto ele se “queima” ao assumir a faixa. Basta ver o quanto “bateram” nele por assumir sua fé. Paradoxo, não?
Sobre o mundo muçulmano, vale dizer que Jesus é considerado o terceiro profeta mais importante do Islã, o que não impede de cristãos estarem sendo assassinados e violentados, e estarem perdendo casas e empregos por lá. Não sei se a faixa do Neymar fará algum efeito, mas imagino que tenha seu lugar em um mundo cada vez mais intolerante. A tolerância faz com que todos possam expressar sua fé e isso não deveria ofender as pessoas. Liberdade religiosa.
Claro que existe uma tentativa de colocar a fé em guetos, excluindo do espaço público suas manifestações. Isso não é ser Estado laico, isso é ser Estado confessional ateu. Querem tirar a fé das televisões, dos partidos, de tudo. Podemos ter qualquer lixo na TV, mas o “lixo” religioso, não. Podemos nos candidatar a cargos eletivos dizendo que somos de esquerda, ou latifundiários, ou do Vasco ou até por sermos palhaços, mas dizer que é por sermos cristãos, isso não pode. Mas voltemos ao Neymar.
Outro ponto curioso é que neste país aplaudimos pouco as coisas certas. Quantos lembram que Neymar assumiu um filho de forma discreta e tranquila? Enquanto muitos atletas fogem de suas responsabilidades e um chegou até mesmo a matar a futura mãe, que bom exemplo nos deu o rapaz! Mas não, as coisas certas não contam. Parece que só tem graça falar dos erros e, através deles, desqualificar os acertos. Ou, alguém não considera “acerto” assumir sua fé e que os eventuais erros não impeçam as pessoas de exercer seus direitos tais como, no caso, o de expressão do pensamento e sua liberdade religiosa.
Quantos sonegadores do dia a dia, quantos que usam produtos piratas, quantos que não emitem notas fiscais devem estar se deliciando ao falar que Neymar deve à Receita... E por isso não poderia assumir sua fé apesar dos riscos. Riscos que vão desde as críticas ferozes (não a sua, a sua foi educada) até eventualmente perder patrocínios. Dentro de uma visão puramente comercial e de marketing, certamente seria falta de boa assessoria, mas dentro da visão cristã, é assumir Jesus. Jesus disse que aqueles que o confessarem diante dos homens serão confessados por Jesus diante do Pai. Não me parece ser, aqui, um erro de assessoria, mas uma escolha.
Jesus também disse que não se acende uma lâmpada para ela ser colocada embaixo da mesa, mas antes, deve ela iluminar. Jesus quer que sejamos sal e luz, e que o confessemos. Coisas bem religiosas em um tempo no qual o mundo está com má vontade com os religiosos e suas coisas. Não se pode ofender ninguém, salvo Deus; não se pode ter preconceito contra ninguém, salvo os crentes; não se pode desrespeitar ninguém, mas toleram muito bem o vilipêndio aos símbolos religiosos.
O postulado pós-modernista, materialista e relativista prefere que não se misture religião com mais nada. Nesse viés, faz sentido dizer que “cada um deve estar no seu tempo e lugar”. Mas Jesus diz que devemos misturar o que ele recomenda em todos os aspectos de nossa vida. Nessa ótica, sempre é tempo e lugar de render glórias a Jesus. É o que Jesus diz: Sejam brilhantes e usem isso para glorificar a Deus (Mateus 5:16). Uma forma de agir protegida pelos direitos humanos, anoto.
Todos os cristãos, mesmos sendo pecadores, devem render graças a Jesus. Nós o glorificamos no momento das vitórias e das derrotas. Penso que essa faixa, que já vem sendo usada desde antes dos tempos de patrocinadores poderosos, não é desnecessária e nem um erro de marketing. É uma escolha.

William Douglas é Juiz Federal/RJ, professor universitário, autor. Considerado o maior especialista em concursos pela Revista Veja, Você S/A e Valor Econômico. Em 2012, figurou em 1º lugar nas principais listas de livros mais vendidos do país. Possui mais de 700mil livros vendidos.