sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Juristas afirmam que se denúncia for aceita, Cunha tem que sair

Afastamento cautelar dos presidentes dos poderes em caso de recebimento de denúncia


31

CUNHA DEVE SAIR SE DENÚNCIA FOR ACEITA, DIZEM JURISTAS

Márlon Reis e Luiz Flávio Gomes escrevem artigo sustentando tese jurídica
Quem está na linha de sucessão do Planalto não pode ser réu em processo criminal
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deve ser afastado do cargo se o Supremo Tribunal Federal aceitar a denúncia que será formulada contra ele por causa da Lava Jato.
Essa é a avaliação do juiz Márlon Reis, um dos idealizadores do Movimento da Ficha Limpa, e do jurista Luiz Flávio Gomes, magistrado aposentado e presidente do Instituto Avante Brasil.
O raciocínio de Reis e de Gomes é que alguém que esteja na linha de sucessão da Presidência da República não pode ser um réu num processo criminal.
Eduardo Cunha é o terceiro na hierarquia da República: assume o Planalto se Dilma Rousseff e Michel Temer (presidente e vice-presidente) saírem de suas funções.
Eis, a seguir, a íntegra do artigo preparado por Márlon Reis e Luiz Flávio Gomes com exclusividade para o Blog e para o UOL:
Afastamento cautelar dos presidentes dos Poderes em caso de recebimento de denúncia
Constituição Federal de 1988 conferiu relevância ímpar para o exercício do cargo de Presidente da República. Tratando-se de posição institucional da mais alta envergadura, a Presidência do Brasil está protegida por um amplo leque de garantias institucionais. Dentre essas garantias institucionais que dizem respeito à Presidência, não daqueles que temporariamente a ocupe, está o primado do não exercício do cargo por quem é réu em processo criminal. Embora presumido inocente, chefe de Poder que se transforma em réu não pode continuar no exercício da função. Trata-se de uma exceção constitucional para a preservação do exercício das altas funções de chefia. O nacional investido no papel de Presidente da República deve ser compulsória e imediatamente afastado do posto no momento e sempre que o Supremo Tribunal Federal vier a decidir pelo recebimento de denúncia, autorizando a instauração da ação penal.
Trata-se de instituto que visa a assegurar proteção e higidez máxima ao mais elevado cargo eletivo da União. O dispositivo citado quer, com toda clareza, impedir que a Presidência seja, mesmo que de forma transitória, exercida por pessoa contra quem paira ação penal com tramitação admitida pela Suprema Corte. Essa medida é justificada pelas elevadas atribuições da pasta, não sendo razoável – segundo patenteado pela visão do Constituinte – que mácula dessa grandeza venha a conspurcar a reputação e a imagem esperadas do mais alto mandatário do País (aliás, dos mais altos mandatários do País).
A providência é reclamada pelo § 1º, inciso I, do art. 86 da Constituição Federal. Segundo o dispositivo, “O Presidente ficará suspenso de suas funções, nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal”. O § 2º deste mesmo dispositivo estipula um prazo de 180 dias para a conclusão do julgamento, cuja superação implica em retorno do réu ao respectivo cargo.
A norma é cogente. Recebida a denúncia, o afastamento é medida que se impõe por força da literalidade da norma constitucional, descabendo ao Supremo Tribunal Federal ventilar discussão quando à oportunidade ou utilidade do ato. Não se afasta por conveniência da instrução penal ou como reação a eventual desvio de conduta do réu, mas como mecanismo de proteção da própria institucionalidade democrática. Não há que se cogitar, pois, se o acusado buscou intimidar testemunhas, ocultou documentos ou se valeu do cargo para intimidar integrantes dos demais poderes. Basta o recebimento da denúncia. Se presentes os motivos extraordinários que acabam de ser alinhados, o afastamento cautelar terá outro fundamento, que é o art.319VI, do CPP.
Registre-se, por outro lado, que tanto o presidente quanto os que estão em posição de assumir a presidência, estão todos sujeitos à incidência do dispositivo mencionado. Se o vice-presidente da República, o presidente da Câmara ou do Senado ou o Presidente do Supremo Tribunal Federal tiverem denúncia recebida contra suas pessoas, devem igualmente ser afastados, por força do mesmo mandamento constitucional, a fim de se preservar a integridade do cargo de presidente da República, já que podem, a qualquer momento, ascender transitória ou efetivamente àquela posição. Ou seja: a regra vale tanto para quem está quanto para quem possa estar eventualmente na presidência da República.
Não fosse assim, em caso de afastamento ocasional (por motivo de viagem, enfermidade, férias, afastamento judicial ou determinado pela Câmara) ou definitivo do titular (por perda ou suspensão dos direitos políticos, cassação ou renúncia), a presidência poderia ser exercida por alguém contra quem paira a circunstância impeditiva prevista no citado art. 86§ 1ºI, da Constituição. Quem tem a possibilidade de assumir a presidência da República (em qualquer momento), deve ter sempre condições constitucionais de assumi-la (sob pena de instabilidade institucional). O recebimento da denúncia acarreta, pois, o afastamento de qualquer um que integre a ordem sucessória da Presidência. Isso evita que se agregue mais uma crise a tantas outras que já se encontram em andamento. Constitui ônus mínimo de quem ocupa os mais altos cargos do País e que estão na linha sucessória presidencial não ter processo criminal em andamento. Nunca se sabe com precisão matemática o momento em que um deles é chamado para o exercício da Presidência da República. Daí a imperiosa necessidade de não serem réus em processos criminais.
Presente essa circunstância indesejada pela Constituição, o afastamento do cargo é medida a ser imposta seja ao titular, seja a qualquer dos seus possíveis sucessores. Tratando-se do Presidente ou do Vice-Presidente, deve-se operar o afastamento do próprio mandato eletivo. Em sendo o recebimento da denúncia operado contra o presidente da Câmara ou do Senado ou do Supremo Tribunal Federal, exige-se apenas o afastamento da função transitória (a presidência da instituição), de modo a se suprimir o risco de exercício indevido da Presidência da República pelo réu, remanescendo o direito ao exercício do cargo de deputado federal ou senador ou de ministro da Corte Suprema.
“O afastamento automático decorre do sério risco de o ocupante da posição de chefia, vendo-se ameaçado de uma condenação criminal, por instinto humano, passar a exercer as prorrogativas do cargo com abuso de poder, de sorte a não só interferir na instrução criminal, que se inicia com o recebimento da denúncia, mas também a prejudicar o adequado funcionamento da instituição que administra. É, enfim, a perigosa confusão entre o público e o privado, vedada pela Constituição, no art. 37 (princípios da impessoalidade e da moralidade)” (César Augusto Carvalho de Figueiredo, Juiz do Tribunal de Justiça da Bahia, em O efeito jurídico de afastamento do cargo decorrente da decisão do STF que aceita denúncia contra chefe de Poder da República).
Em suma, se o Supremo Tribunal Federal, pelo Plenário, vem a receber denúncia contra qualquer um dos chefes de poder, é mais do que recomendável (e natural) o seu afastamento do exercício da presidência da instituição que dirige. As razões inspiradoras do dispositivo constitucional acima mencionado (CF, art. 86§ 1ºI) valem, ipso facto, não apenas para o ocupante do cargo de presidente da República, sim, para todos os que estão em posição de assumir (em qualquer momento) interina ou definitivamente tal função. Se o vice-presidente da República, o presidente da Câmara ou do Senado e o Presidente do STF tiverem contra si denúncia recebida, naturalmente devem ser afastados das funções respectivas, seja porque estão na linha sucessória da Presidência da República, seja para preservar a integridade e honorabilidade exigidas de forma diferenciada dos chefes máximos de cada Poder. Em termos institucionais é muito sério o recebimento de um processo criminal contra eles. Daí o mandamento constitucional de afastamento peremptório previsto no art.86§ 1ºI, da CF.
Por Márlon Reis (juiz de direito, membro do MCCE e autor do livro O Nobre Deputado) e Luiz Flávio Gomes (jurista e presidente do IAB).

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Repatriação de capitais nas republiquetas cleptocratas

A repatriação de capitais nas republiquetas cleptocratas


Publicado por Luiz Flávio Gomes - 6 horas atrás
11
Está em pauta no Senado o projeto de lei 298/15, de autoria de Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que pretende regularizar desavergonhadamente a “repatriação de capitais” criminosos enviados por “barões sonegadores” ao exterior (sem comunicar o Fisco, obviamente). As leis deveriam ser iguais para todos, mas essa não é a realidade do nosso País. No Brasil (aliás, em praticamente toda América Latina), “As constituições são feitas para não serem cumpridas, as leis existem para serem violadas, tudo em proveito de indivíduos e oligarquias: trata-se de fenômeno corrente em toda a história da América do Sul. É em vão que os políticos imaginam interessar-se mais pelos princípios [éticos e morais] do que pelos homens: seus próprios atos representam o desmentido flagrante dessa pretensão” (S. B. De Holanda, Raízes do Brasil).
Documentos internacionais comprovam que no Brasil vigora um sistema de dominação de classes não apenas extrativista e parasitário (cf. Manoel Bomfim, A América Latina), senão também criminoso. Segundo o relatório “Brasil: Fuga de Capitais, os Fluxos Ilícitos, e as Crises Macroeconômicas, 1960-2012”, publicado pela Tax Justice Network, a partir de análise do período de 1960 a 2012, os brasileiros teriam (no exterior) US$ 590 bi irregulares (não declarados ou declarados parcialmente, sem distinguir entre origem lícita e origem ilícita). Quanto à origem lícita, a estimativa é de US$ 189 bi (diz Heleno Torres). A estimativa da Global Financial Integrity afirma que o fluxo financeiro ilícito entre 1960 e 2012 somou US$ 401,6 bilhões.[1]
Várias vezes o Congresso Nacional já tentou “legalizar” (repatriar) esse turbilhão de dólares que são evadidos anualmente da nossa economia. Ganha-se o dinheiro aqui (alguns de forma lícita, outros de forma abertamente ilícita), mas ele é devidamente “guardado” e, eventualmente, tributado fora do Brasil, particularmente nos paraísos fiscais como a Suíça, em bancos lavadores de dinheiro como o HSBC (cf. Hervé Falciani, Evasores).
O Brasil, no entanto, não é considerado uma das republiquetas mais cleptocratas do planeta em virtude da sonegação fiscal e evasão de divisas por parte das bandas podres dos senhores neofeudais (donos do poder) e cidadãos abastados que aparecem logo abaixo na hierarquia $ocial (a evasão é comum também em muitas repúblicas), senão, sobretudo, pela permissividade, complacência e leniência com que os governos cleptocratas (apoiados por fortes setores da mídia) tratam as imoralidades e ilegalidades das classes plutocratas (governo dos ricos, não necessariamente dos mais sábios como imaginam Aristóteles e Platão) e oligarcas (os poucos ricos que mandam na governabilidade por meio de um capitalismo cartelizado e de compadres, que eles dominam), dificultando o processo de internalização das normas vigentes no País.
Aqui os plutocratas, oligarcas e cleptocratas não se julgam acima da lei por acaso. O mensalão do PT e a Operação Lava Jato constituem algo institucionalmente positivo, mas ainda não foram suficientes para mudar o cenário nacional de impunidade (está aí o mensalão do PSDB como prova de leniência da Justiça com a cleptocracia).
É assim que o Brasil é governado, “por continuidades mais do que por rupturas com o seu passado” (Mota e Lopez, História do Brasil: uma interpretação). Somos um País em que podemos reproduzir sem rebuços a frase de William Faulkner: “O passado nunca morre; ele nem é passado”. “A História do Brasil sempre foi um negócio” (disse Caio Prado Jr.). O projeto de repatriação de capitais criminosos levados ao exterior, com anistia da responsabilidade criminal, não desmente, antes confirma, uma vez mais essa tese. A leniência e complacência da administração pública com os interesses das classes dominantes (qualquer que seja ela: de direita ou de esquerda, conservadora ou liberal) faz parte da estratégia e da metodologia da brutal dominação social.
E por que a classe política sempre se dobra às classes poderosas econômicas e financeiras, onde reinam muitos senhores neofeudais? Porque os políticos são financiados pelos poderosos econômicos, que “corrompem” a independência do Parlamentar (que passa a tratar com prioridade os interesses desses grupos financiadores). De cada 10 deputados federais, 7 foram financiados (“corrompidos em sua independência”) pelos 10 doadores empresarias que mais “investiram” nos políticos (cf. Portal Estadão 8/11/14).
São 360 dos 513 deputados, distribuídos em 23 partidos diferentes. O dinheiro dos financiadores não têm cor nem ideologia. O fundamental para o sistema de dominação é ter o controle do poder político. Tudo e todos (incluindo, particularmente, o poder político e o poder midiático) devem estar sob suas rédeas. Com o sistema de dominação de uma sociedade não se brinca. Os dez maiores financiadores são: JBS (bancada do bife), Bradesco e Itaú (bancada dos bancos), OAS, Andrade Gutierrez, Odebrecht, UTC e Queiroz Galvão (bancada das betoneiras ou do concreto), Grupo Vale (bancada dos minérios) e Ambev (bancada das bebidas). Além dessas ainda existem as bancadas da bola, da bala, da bíblia etc. O STF já votou (majoritariamente) pela inconstitucionalidade desse financiamento empresarial, mas o processo está em poder do min. Gilmar Mendes desde abril de 2014.
Saiba mais
16 doadores de campanha estão nos arquivos do HSBC da Suíça
Fernando Rodrigues (19/3/15)
Vale a pena transcrever a seguinte postagem de Fernando Rodrigues:
“Empresários deram R$ 5,824 milhões para candidatos do PSDB, PT e outros partidos em 2014.Doadores incluem Armínio Fraga (ex-BC), Benjamin Steinbruch (CSN) e apresentador Ratinho (SBT).Alguns mostram documentos e negam irregularidades; outros não falam – leia texto abaixo
“Ao menos 16 grandes doadores da campanha eleitoral de 2014 também estiveram, em algum momento, relacionados a contas na agência do HSBC, em Genébra, na Suíça. Essas pessoas deram R$ 5,824 milhões a políticos e a partidos no ano passado.
“Os dados são o resultado de um meticuloso cruzamento das doações acima de R$ 50 mil com os registros de 8.667 clientes relacionados ao Brasil e presentes nos arquivos do HSBC da Suíça nos anos 2006 e 2007.
“Ao todo, 142.568 pessoas físicas doaram para campanhas políticas em 2014 –nem sempre dinheiro, mas também algum serviço ou produto que foi precificado na prestação de contas. Nesse universo, apenas 976 doaram R$ 50 mil ou mais para candidatos no ano passado.
“Esses 976 deram R$ 170,6 milhões para as campanhas de 2014. O UOL analisou esse grupo de financiadores, cruzando cada um dos nomes com o banco de dados dos 8.667 clientes relacionados a contas no HSBC na Suíça.
“Foram encontrados 16 grandes doadores de 2014 citados no caso SwissLeaks –a série de reportagens que analisa dados vazados do HSBC em 2008, numa iniciativa do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) em parceria com o jornal francês “Le Monde”. No Brasil, a apuração é conduzida com exclusividade pelo UOL e pelo “Globo”.
“Os 16 nomes encontrados foram os seguintes: Alceu Elias Feldmann (Grupo Fertipar); Armínio Fraga Neto (ex-presidente do Banco Central); Benjamin Steinbruch (CSN); Carlos Roberto Massa (o apresentador Ratinho, do SBT); Cesar Ades (presidente do Banco Rendimento); Cláudio Szajman (VR, Vale Refeição); Edmundo Rossi Cuppoloni (ex-sócio da Rossi Residencial); Fábio Roberto Chimenti Auriemo (acionista da incorporadora JHSF); Francisco Humberto Bezerra (ex-sócio do BicBanco); Gabriel Gananian (dono da Steco Construtora); Hilda Diruhy Burmaian (Banco Sofisa); Jacks Rabinovich (CSN); José Antonio de Magalhães Lins (sócio da Axelpar); Miguel Ricardo Gatti Calmon Nogueira da Gama (advogado, OAB-SP); Paulo Roberto Cesso (nono do Colégio Torricelli) e Roberto Balls Sallouti (BTG Pactual).
Abaixo, os dados das referidas contas (clique na imagem para ampliar):
A repatriao de capitais nas republiquetas cleptocratas
Consultados, esses doadores em sua maioria negaram irregularidades. Em alguns casos, foram generosos na apresentação de documentos para explicar a legalidade de suas contas na Suíça, como mostra o post abaixo.
Ter uma conta na Suíça ou em qualquer outro país não é ilegal, desde que seja uma operação declarada à Receita Federal e informada ao Banco Central.
As doações eleitorais foram para candidatos de vários partidos. Receberam dinheiro desse grupo de 16 financiadores relacionados a contas na Suíça as campanhas a presidente em 2014 de Aécio Neves (PSDB) e de Marina Silva (PSB). O comitê de Dilma Rousseff não ganhou recursos diretamente, mas o PT está na lista por meio de diretórios da legenda.
Ao todo, os tucanos se saíram melhores na coleta de fundos nesse ecossistema de doadores relacionados ao SwissLeaks. Aécio Neves e outros candidatos do PSDB e diretórios do partido receberam R$ 2,925 milhões. Já o PT e seus candidatos tiveram R$ 1,505 milhão de doações desses financiadores em 2014.
Foram 12 os partidos dos políticos que receberam doações dos clientes do HSBC. Além de PSDB e PT, as outras siglas foram as seguintes: PMDB (R$ 578 mil); PSC (R$ 254,1 mil); PTB (R$ 200 mil); Pros (R$ 120 mil); PSB (R$ 100 mil); PRB (R$ 50 mil); PPS (R$ 50 mil); DEM (R$ 30 mil); PV (R$ 10 mil) e PSDC (R$ 2.272,50).
É difícil precisar quanto esses 16 doadores de dinheiro para políticos guardavam na Suíça nos anos de 2006 e de 2007, período ao qual se referem as informações vazadas do HSBC de Genébra. Muitas vezes, os dados mostram apenas o “maior valor registrado”, mas isso não é o mesmo que o saldo total.
Em alguns casos, como o do empresário Benjamin Steinbruch (que afirma ter declarado todos os depósitos), aparecem vários números de contas e cifras. Ele tem atribuído ao seu nome um valor máximo depositado de US$ 207,3 milhões no HSBC de Genébra nos anos de 2006 e 2007.
Há também situações em que o dinheiro está relacionado no HSBC apenas a um fundo ou empresa. Mas os vazamentos de informações do banco incluíram arquivos que relacionam fundos de investimentos e empresas em paraísos fiscais aos seus verdadeiros donos. Dessa forma é possível saber a quem pertence cada conta.
Há ainda clientes que são apenas beneficiários de uma determinada conta –e não têm necessariamente acesso total ao valor depositado. Chama a atenção também o fato de que a maioria dos clientes do HSBC tem uma preferência por abrir empresas em paraísos fiscais como Ilhas Virgens Britânicas ou Panamá. Com menos frequência aparecem Uruguai e Bahamas.
Dos 16 clientes do HSBC analisados neste cruzamento com doadores de campanha, 10 ainda apareciam no banco com contas abertas e em operação quando os dados foram vazados.
Na tabela abaixo, as respostas enviadas à reportagem pelas pessoas citadas e para quem eles doaram(clique para ampliar):
A repatriao de capitais nas republiquetas cleptocratas
Participaram da apuração desta reportagem os jornalistas Bruno Lupion, do UOL, eChico OtavioCristina Tardáguila e Ruben Berta, do “Globo”.
O blog está no FacebookTwitter e Google+.
[1] Cf. Marcos Coimbra, Valor Econômico 18/8/15: A12.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

STF condena três perigosos ladrões: de 1 par de chinelos, de 15 bombons e de 2 sabonetes


43
O Brasil enfrenta efetivamente profundas crises (econômica, política, social, jurídica e, sobretudo, ética). Quando a Corte Máxima de um país é chamada para julgar três ladrões (um subtraiu 1 par de chinelos de R$ 16, outro 15 bombons de R$ 30 e o terceiro 2 sabonetes de R$ 48) e diz que é impossível não aplicar, nesses casos, a pena de prisão, ainda que substituindo-a por alternativas penais, é porque chegamos mesmo no fundo do poço em termos de desproporcionalidade e de racionalidade. Usa-se o canhão do direito penal para matar pequenos pássaros (Jescheck).
Em países completamente civilizados, para esse tipo de questão adota-se a chamada “resolução alternativa de conflitos” (RAC). O problema (enfrentado por equipes de psicólogos, assistentes sociais etc.) nem sequer vai ao Judiciário (desjudicialização). Do que é mínimo não deve se encarregar o juiz (já diziam os romanos, há mais de 2 mil anos). O fato não deixa de ser ilícito, mas a cultura evoluída se contenta com esse tipo de solução (que faz parte de um contexto educacional de qualidade). É exatamente isso o que acontece nas faixas ricas no Brasil. Muitos filhos de gente rica, nos seus respectivos clubes ou nas escolas, praticam subtrações de pequenas coisas. Tudo é resolvido caseiramente (sem se chamar a polícia). A vítima pobre não tem a quem chamar, salvo o 190. Daí a policialização e judicialização de todos os conflitos, incluindo os insignificantes. Coisa de paiseco atrasado, de republiqueta (marcadamente feudalista).
STF condena trs perigosos ladres de 1 par de chinelos de 15 bombons e de 2 sabonetes
Vivemos a era da emocionalidade (J. L. Tizón, Psicopatologiía del poder). No campo penal, por força da oclocracia (governo influenciado pelas massas rebeladas), dissemina-se (com a intensa ajuda da mídia) o populismo penal irracional centrado no uso e no abuso da prisão desnecessária. A explosão do sistema penitenciário é uma tragédia há tempos anunciada. Agrava-se a cada dia (somente em SP, o saldo dos que entram e dos que saem chega a 800 novos presos por mês).
A pena de prisão para fatos insignificantes conflita com o bom senso (com a racionalidade). Os países desenvolvidos aplicam outros tipos de sanção. Em sistemas acentuadamente neofeudalistas como o nosso, tenta-se disseminar o chamado princípio da insignificância, que elimina o crime (evitando a condenação penal). Mas o legislador brasileiro nunca cuidou desse assunto (salvo no Código Penal militar). Cada caso então fica por conta de cada juiz. O STF tratou do tema em 2004, no HC 84.412-SP. Aí fixou vários critérios, mas todos “abertos” (sujeitos a juízos de valor de cada juiz). Uma “jabuticabada” (como diz Rômulo de Andrade Moreira).
O Plenário do STF voltou a enfrentar o tema em 3/8/15 (nos HCs 123734, 123533 e 123108): réu reincidente pode ser beneficiado com o princípio da insignificância? Se o furto é qualificado, pode incidir o citado princípio? O STF fixou algumas orientações (não vinculantes aos juízes do país). Os três casos julgados, somados, davam R$ 94. Pobre que furta é ladrão, rico que rouba é barão.
O min. Luís Roberto Barroso, no princípio, votava pela incidência do princípio da insignificância. Mudou de posicionamento a partir do voto-vista do ministro Teori Zavascki, que firmou orientação no sentido oposto (de não aplicar referido princípio nesses casos). O Pleno apenas sinalizou o caminho a ser seguido. Não fixou entendimento vinculante. Porque, em direito penal, cada caso é um caso.
Para o ministro Zavascki a não aplicação do princípio da insignificância (nos casos citados) se deve ao seguinte: (a) são crimes com circunstâncias agravadoras; (b) apenas a reparação civil é insuficiente (para a prevenção geral); (c) reconhecer a licitude desses fatos é um risco (risco do justiçamento com as próprias mãos); (d) a imunidade estatal pode se converter em justiça privada (com consequências graves); (e) cabe ao juiz em cada caso concreto reconhecer ou não a insignificância assim como fazer a individualização da pena.
Nos três casos concretos analisados não houve reconhecimento do princípio da insignificância, mas, tampouco se admitiu o encarceramento do agente. A saída para evitar a prisão é a aplicação de penas substitutivas (CP, art. 43 e ss.) ou a aplicação do regime aberto (que hoje, na quase totalidade das comarcas, é cumprido em domicílio, em razão da ausência de estabelecimentos penais adequados). Mesmo em se tratando de reincidente, nos casos de pouca repercussão social, pode-se aplicar o regime aberto (para evitar a prisão). Qualquer outro regime seria (mais ainda) desproporcional. País que não cuida da prevenção (e que conta com escolaridade média ridícula de apenas 7,2 anos, exatamente a mesma de Zimbábue) tem que se expor internacionalmente ao ridículo. Chega na sua Corte Máxima o furto de bombons, de um par de chinelos, dois sabonetes, um desodorante, duas galinhas etc. O País e os juízes que julgam penalmente coisas pequenas jamais serão grandes.