As massas rebeladas, que apoiaram ardorosamente a cruzada prisional do juiz Moro – novo salvador da pátria consoante o inconsciente coletivo -, vão espernear, gritar, descrer mais ainda no funcionamento da Justiça criminal, mas tudo isso porque sua grande maioria não tem consciência crítica sobre o funcionamento da pena de prisão (que é uma das ferramentas mais potentes do exercício do poder). Poderosos somente ficam na cadeia quando perdem o poder e se tornam inimigos de outros poderosos.
Sempre que as massas obnubiladas pedem ardentemente mais prisão, os donos do poder (classes dominantes) atendem o pedido prontamente (e foi assim que o Brasil chegou ao 3º lugar no ranking mundial, com mais de 700 mil presos, incluindo os domiciliares – a maioria deles sem ter cometido crime violento). Elas, no entanto, ignoram que a prisão sempre foi feitapelos donos do poder (incluindo as empreiteiras), não para os donos do poder (= donos do poder econômico, financeiro, político e administrativo).
A prisão nasceu (como pena disciplinar) no século XVIII, precisamente quando a burguesia francesa ascendeu ao poder (em 1789). Antes a prisão era usada apenas como local para a detenção provisória do inimigo (judeus, hereges, bruxas, marginalizados, dissidentes, contestadores do rei ou dos senhores feudais etc.), que, no final do “processo”, normalmente, era condenado à pena de morte. Seja como medida cautelar (tempo das sanções corporais), seja como pena (era das sanções disciplinares, como afirma Foucault), a prisão é uma sanção reservada aos inimigos de quem detém o poder (ou de quem está estabilizado socialmente).
Em relação aos amigos (cidadãos das classes sociais abastadas ou confortadas) impõe-se reconhecer que o sistema criminal foi inteiramente projetado para, em primeiro lugar, garantir sua impunidade. Quando condenados, raramente o são com a pena de prisão. Assim funciona o sistema (muito mal compreendido pelas massas vagantes e errantes). Deu, portanto, a lógica no julgamento do STF que, enfocando os empreiteiros como “cidadãos” (não como inimigos), substituiu a prisão por medidas alternativas. Isso se deu porque era extremamente duvidosa a fundamentação jurídica da prisão (os advogados, enfaticamente, sempre contestaram o “abuso”) e também porque entrou em jogo (no escândalo do petrolão) a liberdade dos donos do poder (os que mandam e desmandam no país).
A decisão do STF, por coerência, foi estendida a todos os demais presos na mesma situação. É de se lamentar que ele, também sem consciência crítica, não tenha fixado altíssimas fianças, muito adequadas para os acusados de corrupção. Serão raras (doravante) as delações dos donos do poder. Omertà sempre foi a regra dos mafiosos. Os processos criminais vão demorar muitos anos para acabar (a morosidade da Justiça frente aos poderosos não é fruto do acaso). Os recursos são infinitos, porque constituem a base de sustentação das prescrições. Assim funciona o sistema da Justiça criminal. Aliás, não há nenhuma novidade: sempre foi assim. Se tudo terminar em pizza não será surpresa.
As duas prováveis consequências da decisão do STF são: (a) mais ladrões de galinha nos presídios; é dessa maneira que a Justiça “vende” para a população enfurecida (e inconsciente) a sensação (ilusão) de que o sistema criminal “funciona”; (b) possível incremento da sonegação de impostos (incluindo a corrupção dos “juízes” do Carf, depósitos criminosos no sistema financeiro HS (im) BCilizado etc.) como meio de contestar “tudo que está aí” (um Estado governado e dominado pelas bandas putrefatas das classes dominantes, que são as responsáveis pela ladroagem cleptocrata que distingue o Brasil como país subdesenvolvido; tais classes nem sequer empobrecidas são, mesmo quando apanhadas nas suas escabrosas e reiteradas pilhagens do patrimônio público, que constituem uma das formas culturalmente aceitas – por enorme parcela da população brasileira – de acumulação – ilícita – de riqueza).
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