É comum a vinculação entre democracia e Constituição,
relacionando uma à outra quanto ao surgimento ou consolidação. Isto é,
entende-se erroneamente que a democracia surge ou se consolida em um país após
a edição de um texto constitucional. Esses dois elementos, obviamente, não
têm qualquer relação de natureza ontológica, apesar do vínculo prático de
fortalecimento democrático com a promulgação de uma Carta Política escrita e rígida.
Após surtos de manifestações sociais no último ano,
a população brasileira decidiu mostrar que o é a democracia, exercendo direitos
que lhe cabem, como única legítima detentora do poder (“todo poder emana do
povo”). Vale lembrar, em poucas linhas, que a Teoria da Democracia advém de
três correntes: 1) clássica – monarquia, governo de um só, aristocracia,
governo de poucos, e democracia, governo do povo; 2) medieval – consubstanciada
na concepção de soberania, que pode ser ascendente, quando o único poder vem do
povo e os dá representatividade, ou descendente, quando o poder vem do príncipe
e se transmite para uma camada inferior; 3) moderna – somente existem duas
formas de governo, a monarquia e a república, sendo a democracia uma subespécie
da segunda.
Tal exposição é relevante para que percebamos que
há, atualmente, confusão entre termos, tais como república, democracia, Constituição,
etc., especialmente pela configuração da última corrente, a teoria moderna
(esta como subespécie). Tão verdade isso, que repetidamente se vê políticos (ou
seja, aqueles que, em tese, fazem política) defendendo a forma republicana ao
invés do regime democrático, quando falam de um governo popular. Igualmente, na
boca de parlamentares, a Constituição se torna sinônimo de poder do povo, sendo que
este deriva, contudo, de uma percepção anterior à escrita constitucional
(invoque-se jusnaturalistas, Rousseau, com seu contratualismo bilateral, ou
Kelsen, com seu modelo lógico-jurídico, à livre escolha).
Entretanto, o que se abraça agora é que a população
brasileira está paulatinamente percebendo que é participante principal de uma
Democracia, em seu sentido contemporâneo. Isso significa que é ela a detentora
do poder do Estado, delegando-o a quem deseja (pelo processo eleitoral), e
também participando de maneira direta, em todos os seus estratos (maiorias e
minorias).
A população, conhecendo esse fato, reclama o que é
seu, não o que o Estado pode lhe dar. Reclama o que lhe pertence e foi
sequestrado. Xingar a Presidente da República do Brasil em um evento
internacional não foi um ato de selvageria, foi a demonstração de que a última
gota já fez a água transbordar. De que gastar cerca de R$30.000 por mês com
doces, pães, brioches, queijos e sucos para lanches no Palácio do Planalto é
mais que abusivo para quem não dispõe de R$15 para comprar remédio para sanar
uma dor de cabeça após um cansativo dia de trabalho (isso sem falar de
dores/doenças que realmente interessam).
O coro que se fez no estádio Itaquerão quando da
abertura da Copa do Mundo 2014 não foi a voz da elite brasileira, única capaz
de comprar ingressos de alto preço, como disse a Presidente para se defender.
Foi a voz uníssona do povo brasileiro, ora que não se formou coro maior
justamente porque ali só estavam os poucos que dispunham de capital. Se
abaixasse o valor do ingresso, o xingamento seria formado por número muito
maior de pessoas.
Decerto, a chefe do governo do Brasil foi a
representante escolhida para o ataque, mas quem se queria atingir ultrapassa a
pessoa da Presidente. Queria-se alcançar, de forma geral, os agentes políticos
(do executivo, legislativo e judiciário), os servidores de cargo em comissão e
os agentes públicos faltosos ao labor (a exemplo daqueles que somente
assinam/marcam seu registro de ponto ou que comparecem, mas não propiciam
eficiência ao seu serviço).
Além do que, como se expôs, a democracia, formada
em estreita ligação com a república, também é formada pelas classes econômicas
altas. Tem ela a mesma importância que as classes mais baixas. O peso do voto é
o mesmo, a tom da voz é o mesmo, as reivindicações são as mesmas (com as
devidas proporções).
Os teóricos da Teoria das Elites: Gaetano Mosca,
Pareto e Robert Michels (dentre outros) afirmavam a existência da classe governante
(minoria) e a classe governada (maioria). A primeira vale-se da força (leão) ou
da astúcia (raposa), sendo chamada de elite. A segunda é a massa, classe
numerosa, desatenta, indecisa e facilmente levada. Essencial diferença entre
ambos? ORGANIZAÇÃO.
Daí surgiu a máxima Lei de Ferro das Oligarquias
(R. Michels), válida até os dias de hoje: "A organização é a mãe do
predomínio dos eleitos sobre os eleitores, dos mandatários sobre os mandantes,
dos delegados sobre os delegantes. Quem diz organização, diz oligarquia".
Conforme Pareto, a classe oligárquica (minoria mandante) se organiza, tendo
como consequência a consolidação do mando sobre a massa desorganizada. Ou seja,
a elite sobrepõe sua vontade sobre a massa, de forma legal ou violentamente imposta
(no Brasil, tal forma se baseia no princípio da representatividade).
Logo, a conclusão há muito observada se impõe
atualmente, de que a democracia nada mais é que uma formação de elites amplas e
abertas. Situação que passa a mudar a partir dos tempos de hoje, com a
sociedade gritando em coro: “Ei Dilma, vai tomar no c...”.
Fonte: JusBrasil
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