quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Repatriação de capitais nas republiquetas cleptocratas

A repatriação de capitais nas republiquetas cleptocratas


Publicado por Luiz Flávio Gomes - 6 horas atrás
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Está em pauta no Senado o projeto de lei 298/15, de autoria de Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que pretende regularizar desavergonhadamente a “repatriação de capitais” criminosos enviados por “barões sonegadores” ao exterior (sem comunicar o Fisco, obviamente). As leis deveriam ser iguais para todos, mas essa não é a realidade do nosso País. No Brasil (aliás, em praticamente toda América Latina), “As constituições são feitas para não serem cumpridas, as leis existem para serem violadas, tudo em proveito de indivíduos e oligarquias: trata-se de fenômeno corrente em toda a história da América do Sul. É em vão que os políticos imaginam interessar-se mais pelos princípios [éticos e morais] do que pelos homens: seus próprios atos representam o desmentido flagrante dessa pretensão” (S. B. De Holanda, Raízes do Brasil).
Documentos internacionais comprovam que no Brasil vigora um sistema de dominação de classes não apenas extrativista e parasitário (cf. Manoel Bomfim, A América Latina), senão também criminoso. Segundo o relatório “Brasil: Fuga de Capitais, os Fluxos Ilícitos, e as Crises Macroeconômicas, 1960-2012”, publicado pela Tax Justice Network, a partir de análise do período de 1960 a 2012, os brasileiros teriam (no exterior) US$ 590 bi irregulares (não declarados ou declarados parcialmente, sem distinguir entre origem lícita e origem ilícita). Quanto à origem lícita, a estimativa é de US$ 189 bi (diz Heleno Torres). A estimativa da Global Financial Integrity afirma que o fluxo financeiro ilícito entre 1960 e 2012 somou US$ 401,6 bilhões.[1]
Várias vezes o Congresso Nacional já tentou “legalizar” (repatriar) esse turbilhão de dólares que são evadidos anualmente da nossa economia. Ganha-se o dinheiro aqui (alguns de forma lícita, outros de forma abertamente ilícita), mas ele é devidamente “guardado” e, eventualmente, tributado fora do Brasil, particularmente nos paraísos fiscais como a Suíça, em bancos lavadores de dinheiro como o HSBC (cf. Hervé Falciani, Evasores).
O Brasil, no entanto, não é considerado uma das republiquetas mais cleptocratas do planeta em virtude da sonegação fiscal e evasão de divisas por parte das bandas podres dos senhores neofeudais (donos do poder) e cidadãos abastados que aparecem logo abaixo na hierarquia $ocial (a evasão é comum também em muitas repúblicas), senão, sobretudo, pela permissividade, complacência e leniência com que os governos cleptocratas (apoiados por fortes setores da mídia) tratam as imoralidades e ilegalidades das classes plutocratas (governo dos ricos, não necessariamente dos mais sábios como imaginam Aristóteles e Platão) e oligarcas (os poucos ricos que mandam na governabilidade por meio de um capitalismo cartelizado e de compadres, que eles dominam), dificultando o processo de internalização das normas vigentes no País.
Aqui os plutocratas, oligarcas e cleptocratas não se julgam acima da lei por acaso. O mensalão do PT e a Operação Lava Jato constituem algo institucionalmente positivo, mas ainda não foram suficientes para mudar o cenário nacional de impunidade (está aí o mensalão do PSDB como prova de leniência da Justiça com a cleptocracia).
É assim que o Brasil é governado, “por continuidades mais do que por rupturas com o seu passado” (Mota e Lopez, História do Brasil: uma interpretação). Somos um País em que podemos reproduzir sem rebuços a frase de William Faulkner: “O passado nunca morre; ele nem é passado”. “A História do Brasil sempre foi um negócio” (disse Caio Prado Jr.). O projeto de repatriação de capitais criminosos levados ao exterior, com anistia da responsabilidade criminal, não desmente, antes confirma, uma vez mais essa tese. A leniência e complacência da administração pública com os interesses das classes dominantes (qualquer que seja ela: de direita ou de esquerda, conservadora ou liberal) faz parte da estratégia e da metodologia da brutal dominação social.
E por que a classe política sempre se dobra às classes poderosas econômicas e financeiras, onde reinam muitos senhores neofeudais? Porque os políticos são financiados pelos poderosos econômicos, que “corrompem” a independência do Parlamentar (que passa a tratar com prioridade os interesses desses grupos financiadores). De cada 10 deputados federais, 7 foram financiados (“corrompidos em sua independência”) pelos 10 doadores empresarias que mais “investiram” nos políticos (cf. Portal Estadão 8/11/14).
São 360 dos 513 deputados, distribuídos em 23 partidos diferentes. O dinheiro dos financiadores não têm cor nem ideologia. O fundamental para o sistema de dominação é ter o controle do poder político. Tudo e todos (incluindo, particularmente, o poder político e o poder midiático) devem estar sob suas rédeas. Com o sistema de dominação de uma sociedade não se brinca. Os dez maiores financiadores são: JBS (bancada do bife), Bradesco e Itaú (bancada dos bancos), OAS, Andrade Gutierrez, Odebrecht, UTC e Queiroz Galvão (bancada das betoneiras ou do concreto), Grupo Vale (bancada dos minérios) e Ambev (bancada das bebidas). Além dessas ainda existem as bancadas da bola, da bala, da bíblia etc. O STF já votou (majoritariamente) pela inconstitucionalidade desse financiamento empresarial, mas o processo está em poder do min. Gilmar Mendes desde abril de 2014.
Saiba mais
16 doadores de campanha estão nos arquivos do HSBC da Suíça
Fernando Rodrigues (19/3/15)
Vale a pena transcrever a seguinte postagem de Fernando Rodrigues:
“Empresários deram R$ 5,824 milhões para candidatos do PSDB, PT e outros partidos em 2014.Doadores incluem Armínio Fraga (ex-BC), Benjamin Steinbruch (CSN) e apresentador Ratinho (SBT).Alguns mostram documentos e negam irregularidades; outros não falam – leia texto abaixo
“Ao menos 16 grandes doadores da campanha eleitoral de 2014 também estiveram, em algum momento, relacionados a contas na agência do HSBC, em Genébra, na Suíça. Essas pessoas deram R$ 5,824 milhões a políticos e a partidos no ano passado.
“Os dados são o resultado de um meticuloso cruzamento das doações acima de R$ 50 mil com os registros de 8.667 clientes relacionados ao Brasil e presentes nos arquivos do HSBC da Suíça nos anos 2006 e 2007.
“Ao todo, 142.568 pessoas físicas doaram para campanhas políticas em 2014 –nem sempre dinheiro, mas também algum serviço ou produto que foi precificado na prestação de contas. Nesse universo, apenas 976 doaram R$ 50 mil ou mais para candidatos no ano passado.
“Esses 976 deram R$ 170,6 milhões para as campanhas de 2014. O UOL analisou esse grupo de financiadores, cruzando cada um dos nomes com o banco de dados dos 8.667 clientes relacionados a contas no HSBC na Suíça.
“Foram encontrados 16 grandes doadores de 2014 citados no caso SwissLeaks –a série de reportagens que analisa dados vazados do HSBC em 2008, numa iniciativa do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) em parceria com o jornal francês “Le Monde”. No Brasil, a apuração é conduzida com exclusividade pelo UOL e pelo “Globo”.
“Os 16 nomes encontrados foram os seguintes: Alceu Elias Feldmann (Grupo Fertipar); Armínio Fraga Neto (ex-presidente do Banco Central); Benjamin Steinbruch (CSN); Carlos Roberto Massa (o apresentador Ratinho, do SBT); Cesar Ades (presidente do Banco Rendimento); Cláudio Szajman (VR, Vale Refeição); Edmundo Rossi Cuppoloni (ex-sócio da Rossi Residencial); Fábio Roberto Chimenti Auriemo (acionista da incorporadora JHSF); Francisco Humberto Bezerra (ex-sócio do BicBanco); Gabriel Gananian (dono da Steco Construtora); Hilda Diruhy Burmaian (Banco Sofisa); Jacks Rabinovich (CSN); José Antonio de Magalhães Lins (sócio da Axelpar); Miguel Ricardo Gatti Calmon Nogueira da Gama (advogado, OAB-SP); Paulo Roberto Cesso (nono do Colégio Torricelli) e Roberto Balls Sallouti (BTG Pactual).
Abaixo, os dados das referidas contas (clique na imagem para ampliar):
A repatriao de capitais nas republiquetas cleptocratas
Consultados, esses doadores em sua maioria negaram irregularidades. Em alguns casos, foram generosos na apresentação de documentos para explicar a legalidade de suas contas na Suíça, como mostra o post abaixo.
Ter uma conta na Suíça ou em qualquer outro país não é ilegal, desde que seja uma operação declarada à Receita Federal e informada ao Banco Central.
As doações eleitorais foram para candidatos de vários partidos. Receberam dinheiro desse grupo de 16 financiadores relacionados a contas na Suíça as campanhas a presidente em 2014 de Aécio Neves (PSDB) e de Marina Silva (PSB). O comitê de Dilma Rousseff não ganhou recursos diretamente, mas o PT está na lista por meio de diretórios da legenda.
Ao todo, os tucanos se saíram melhores na coleta de fundos nesse ecossistema de doadores relacionados ao SwissLeaks. Aécio Neves e outros candidatos do PSDB e diretórios do partido receberam R$ 2,925 milhões. Já o PT e seus candidatos tiveram R$ 1,505 milhão de doações desses financiadores em 2014.
Foram 12 os partidos dos políticos que receberam doações dos clientes do HSBC. Além de PSDB e PT, as outras siglas foram as seguintes: PMDB (R$ 578 mil); PSC (R$ 254,1 mil); PTB (R$ 200 mil); Pros (R$ 120 mil); PSB (R$ 100 mil); PRB (R$ 50 mil); PPS (R$ 50 mil); DEM (R$ 30 mil); PV (R$ 10 mil) e PSDC (R$ 2.272,50).
É difícil precisar quanto esses 16 doadores de dinheiro para políticos guardavam na Suíça nos anos de 2006 e de 2007, período ao qual se referem as informações vazadas do HSBC de Genébra. Muitas vezes, os dados mostram apenas o “maior valor registrado”, mas isso não é o mesmo que o saldo total.
Em alguns casos, como o do empresário Benjamin Steinbruch (que afirma ter declarado todos os depósitos), aparecem vários números de contas e cifras. Ele tem atribuído ao seu nome um valor máximo depositado de US$ 207,3 milhões no HSBC de Genébra nos anos de 2006 e 2007.
Há também situações em que o dinheiro está relacionado no HSBC apenas a um fundo ou empresa. Mas os vazamentos de informações do banco incluíram arquivos que relacionam fundos de investimentos e empresas em paraísos fiscais aos seus verdadeiros donos. Dessa forma é possível saber a quem pertence cada conta.
Há ainda clientes que são apenas beneficiários de uma determinada conta –e não têm necessariamente acesso total ao valor depositado. Chama a atenção também o fato de que a maioria dos clientes do HSBC tem uma preferência por abrir empresas em paraísos fiscais como Ilhas Virgens Britânicas ou Panamá. Com menos frequência aparecem Uruguai e Bahamas.
Dos 16 clientes do HSBC analisados neste cruzamento com doadores de campanha, 10 ainda apareciam no banco com contas abertas e em operação quando os dados foram vazados.
Na tabela abaixo, as respostas enviadas à reportagem pelas pessoas citadas e para quem eles doaram(clique para ampliar):
A repatriao de capitais nas republiquetas cleptocratas
Participaram da apuração desta reportagem os jornalistas Bruno Lupion, do UOL, eChico OtavioCristina Tardáguila e Ruben Berta, do “Globo”.
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[1] Cf. Marcos Coimbra, Valor Econômico 18/8/15: A12.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

STF condena três perigosos ladrões: de 1 par de chinelos, de 15 bombons e de 2 sabonetes


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O Brasil enfrenta efetivamente profundas crises (econômica, política, social, jurídica e, sobretudo, ética). Quando a Corte Máxima de um país é chamada para julgar três ladrões (um subtraiu 1 par de chinelos de R$ 16, outro 15 bombons de R$ 30 e o terceiro 2 sabonetes de R$ 48) e diz que é impossível não aplicar, nesses casos, a pena de prisão, ainda que substituindo-a por alternativas penais, é porque chegamos mesmo no fundo do poço em termos de desproporcionalidade e de racionalidade. Usa-se o canhão do direito penal para matar pequenos pássaros (Jescheck).
Em países completamente civilizados, para esse tipo de questão adota-se a chamada “resolução alternativa de conflitos” (RAC). O problema (enfrentado por equipes de psicólogos, assistentes sociais etc.) nem sequer vai ao Judiciário (desjudicialização). Do que é mínimo não deve se encarregar o juiz (já diziam os romanos, há mais de 2 mil anos). O fato não deixa de ser ilícito, mas a cultura evoluída se contenta com esse tipo de solução (que faz parte de um contexto educacional de qualidade). É exatamente isso o que acontece nas faixas ricas no Brasil. Muitos filhos de gente rica, nos seus respectivos clubes ou nas escolas, praticam subtrações de pequenas coisas. Tudo é resolvido caseiramente (sem se chamar a polícia). A vítima pobre não tem a quem chamar, salvo o 190. Daí a policialização e judicialização de todos os conflitos, incluindo os insignificantes. Coisa de paiseco atrasado, de republiqueta (marcadamente feudalista).
STF condena trs perigosos ladres de 1 par de chinelos de 15 bombons e de 2 sabonetes
Vivemos a era da emocionalidade (J. L. Tizón, Psicopatologiía del poder). No campo penal, por força da oclocracia (governo influenciado pelas massas rebeladas), dissemina-se (com a intensa ajuda da mídia) o populismo penal irracional centrado no uso e no abuso da prisão desnecessária. A explosão do sistema penitenciário é uma tragédia há tempos anunciada. Agrava-se a cada dia (somente em SP, o saldo dos que entram e dos que saem chega a 800 novos presos por mês).
A pena de prisão para fatos insignificantes conflita com o bom senso (com a racionalidade). Os países desenvolvidos aplicam outros tipos de sanção. Em sistemas acentuadamente neofeudalistas como o nosso, tenta-se disseminar o chamado princípio da insignificância, que elimina o crime (evitando a condenação penal). Mas o legislador brasileiro nunca cuidou desse assunto (salvo no Código Penal militar). Cada caso então fica por conta de cada juiz. O STF tratou do tema em 2004, no HC 84.412-SP. Aí fixou vários critérios, mas todos “abertos” (sujeitos a juízos de valor de cada juiz). Uma “jabuticabada” (como diz Rômulo de Andrade Moreira).
O Plenário do STF voltou a enfrentar o tema em 3/8/15 (nos HCs 123734, 123533 e 123108): réu reincidente pode ser beneficiado com o princípio da insignificância? Se o furto é qualificado, pode incidir o citado princípio? O STF fixou algumas orientações (não vinculantes aos juízes do país). Os três casos julgados, somados, davam R$ 94. Pobre que furta é ladrão, rico que rouba é barão.
O min. Luís Roberto Barroso, no princípio, votava pela incidência do princípio da insignificância. Mudou de posicionamento a partir do voto-vista do ministro Teori Zavascki, que firmou orientação no sentido oposto (de não aplicar referido princípio nesses casos). O Pleno apenas sinalizou o caminho a ser seguido. Não fixou entendimento vinculante. Porque, em direito penal, cada caso é um caso.
Para o ministro Zavascki a não aplicação do princípio da insignificância (nos casos citados) se deve ao seguinte: (a) são crimes com circunstâncias agravadoras; (b) apenas a reparação civil é insuficiente (para a prevenção geral); (c) reconhecer a licitude desses fatos é um risco (risco do justiçamento com as próprias mãos); (d) a imunidade estatal pode se converter em justiça privada (com consequências graves); (e) cabe ao juiz em cada caso concreto reconhecer ou não a insignificância assim como fazer a individualização da pena.
Nos três casos concretos analisados não houve reconhecimento do princípio da insignificância, mas, tampouco se admitiu o encarceramento do agente. A saída para evitar a prisão é a aplicação de penas substitutivas (CP, art. 43 e ss.) ou a aplicação do regime aberto (que hoje, na quase totalidade das comarcas, é cumprido em domicílio, em razão da ausência de estabelecimentos penais adequados). Mesmo em se tratando de reincidente, nos casos de pouca repercussão social, pode-se aplicar o regime aberto (para evitar a prisão). Qualquer outro regime seria (mais ainda) desproporcional. País que não cuida da prevenção (e que conta com escolaridade média ridícula de apenas 7,2 anos, exatamente a mesma de Zimbábue) tem que se expor internacionalmente ao ridículo. Chega na sua Corte Máxima o furto de bombons, de um par de chinelos, dois sabonetes, um desodorante, duas galinhas etc. O País e os juízes que julgam penalmente coisas pequenas jamais serão grandes.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Nosso apoio neofeudalista ao aparelhamento do PT foi um erro crasso


Nós, os senhores neofeudais, somos uma organização plutocrática (acreditamos, portanto, no governo dos mais ricos, não necessariamente dos mais sábios como imaginavam Aristóteles e Platão) e oligárquica (governo de poucos com capitalismo de compadrio, ou seja, um jogo econômico de cartas marcadas, onde já se sabe de antemão quem ganha e quem perde). Fundamos, em 1500, uma sociedadeneofeudalista (que busca a maior fidelidade possível a essa forma de organização social extremamente desigual, que vem da Idade Média). Coerentes com nossos programas, apoiamos e difundimos ideias ultraconservadoras e até mesmo racistase fascistas, mas sempre com o objetivo de preservar nossos superiores interesses, condensados no denominador comum da acumulação de capitais (a mais concentrada possível). Não importa quem está no governo (PT, PSDB, PMDB etc.), o fundamental é nunca perder o poder e o controle dos políticos.

Ao longo dos séculos fomos elaborando o nosso “contrato social”, inspirados em doutrinas alienígenas - Hobbes, Locke, Rousseau e tantos outros -, mas sem nunca deixar de o ajutar ao mesmo tempo à nossa realidade subequatorial (abaixo do equador tudo é possível, mesmo o que é proibido). Nós corremos riscos nos nossos negócios e vivemos evidentemente do nosso trabalho, mas também somos fortemente fomentados pelo parasitismo (exploração e extrativismo, de tudo e de todos). Como não existe nenhuma instituição perfeita, os mais arrojados do nosso clube modelo, sempre que as condições ambientais se mostram favoráveis, buscam também o enriquecimento por vias ilícitas. É o grupo dos cleptocratas (que estruturam os governos dos ladrões).
Nosso apoio neofeudalista ao aparelhamento do PT foi erro crasso
Temos um histórico de grandes êxitos neofeudalistas (em pleno século XXI, por exemplo, ainda estamos conseguindo segurar o Brasil com Índice Gini de 0,51, que é um dos mais desastrados do planeta). Construímos um Brasil oligarquicamente rico (aqui reside nosso primeiro grande triunfo), mas com serviços públicos paupérrimos, indecentes e deploráveis (nisso descansa nossa segunda glória). Nos últimos 13 anos, no entanto, cometemos muitos erros. O maior deles foi não termos avaliado corretamente o elevadíssimo risco que corríamos em promover o financiamentocorruptivo do aparelhamento do Estado para a preservação do poder nas mãos das bandas podres das esquerdas (que nunca foram nossa praia ideológica). Esse foi nosso maior erro em 515 anos. É isso, aliás, que explica o encarceramento de muitos dos nossos heroicos combatentes.
Acertamos no que diz respeito ao enriquecimento ilícito do nosso setor cleptocrata. A prosperidade foi imensa. Para nosso orgulho, alguns dos nossos cleptocratas (bancos, empreiteiras, meios de comunicação etc.) estão dentre as 500 maiores fortunas do planeta. Mas agora estamos amargando as consequências dramáticas desse enorme equívoco principiológico. Era mais do que previsível que o atual ódio do brasileiro contra a corrupção e o sempre desprezo pelas ideias progressistas - ódio que eclode, sobretudo, quando a economia vai mal - viesse alcançar não apenas os políticos à gauche e seus asseclas no presidencialismo de coalização, senão também os seus mantenedores e provedores (ou seja, seus mecenas, que fomos nós, os senhores neofeudais, os mais poderosos econômica e financeiramente).
Foi mesmo uma grande burrice nossa não atentar para a advertência de Dédalo a seu filho Ícaro: Ícaro e seu pai Dédalo (que era arquiteto) estavam refugiados em Creta, junto ao rei Minos. Depois do nascimento do seu filho Minotauro (corpo de homem e cabeça de touro), foi construído um labirinto para aprisioná-lo. Ele acabou sendo morto por Teseu (veja Wikipedia); Ícaro e Dédalo ficaram presos no labirinto. Estes, para reconquistarem a liberdade, construíram asas artificiais, usando cera do mel de abelhas e penas de gaivotas. Antes da fuga, o pai alertou o filho de que não podia voar perto do Sol, porque ele derreteria a cera das asas coladas ao seu corpo; nem muito perto do mar porque, se tocasse suas águas, suas asas ficariam muito pesadas. Ícaro não ouviu os conselhos do pai e, tomado pelo desejo, voou próximo ao Sol; o calor fez com que perdesse as asas e despencasse no mar Egeu, enquanto seu pai, aos prantos, voava para a costa.
Moral da narrativa: Ícaro pode voar alto, talvez até consiga atingir alturas impensáveis, mas não pode alcançar o cume, o topo, ou seja, o Sol. Nós, os senhores neofeudais, incluindo as bandas podres cleptocratas do nosso clube (com destaque para as empreiteiras, cf. Estranhas Catedrais), sempre praticamos nossas roubalheiras do dinheiro público (tanto nas democracias como nas ditaduras, seja em governos conservadores ou de esquerda, PT ou PSDB etc.), mas não podíamos nos aproximar da estrela solar das esquerdas que foram se corrompendo para a preservação do poder. Hoje sabemos que alguns se enriquecerem pessoalmente, mas o grande projeto era o aparelhamento do Estado para se perpuarem no comando da nação. Tudo isso foi financiado com o dinheiro da corrupção que nós, os senhores neofeudais, conquistamos. Agora o ódio da população se voltou contra nós também. Estamos em desgraça. Viramos estereótipo criminoso. Como é triste ver alguns dos nossos camaradas, depois de se lambuzaram de tanta corrupção, inclusive no programa “Minha Casa, Minha Vida”, estarem hoje presos em cubículos medievais, escrevendo suas biografias intituladas “Minha Cela, Minha Vida”.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

ALIMENTOS SAUDÁVEIS

Pedro Israel Novaes de Almeida
É crescente a procura por alimentos orgânicos.
Apesar do maior custo ao consumidor, tais alimentos continuam sendo um atraente nicho de mercado, e os pontos de venda são cada vez mais visitados. O consumo encontra-se, em sua maioria, confinado a pessoas com curso superior, com renda acima da média da população.
A produção de alimentos orgânicos utiliza, em regra, mais mão-de-obra humana que a produção convencional, e o manejo do solo e entorno, para iniciar a produção orgânica, é demorado e oneroso. Por óbvio, seu custo de produção é maior, até pelo fato da produção ser menor, por unidade de área.
O grande atrativo da produção orgânica é a ausência de resíduos potencialmente danosos à saúde, o que nem sempre é verdade, pois estercos também são capazes de poluir, e está cada vez mais difícil encontrar fontes de água sem contaminações.
Soa lógico que alimentos orgânicos são saudáveis, mas existe uma injusta e genérica condenação dos alimentos tradicionais, rotulados, não raro, como venenosos. A agricultura tradicional continua sendo necessária, para abastecer a crescente demanda por alimentos, principalmente no abastecimento de humanos e outros animais e aves.
Agricultores conscientes utilizam insumos de maneira tecnificada e responsável, gerando produtos cujos resíduos, se existentes, foram intensamente pesquisados, concluindo pelo grau de aceitação, como não danosos à saúde, mesmo em processo cumulativo.
Ocorre que, no Brasil, a atuação oficial no monitoramento de resíduos e fiscalização de defensivos, é incipiente, beirando a irresponsabilidade. São muitas as contaminações de empregados, patrões e consumidores, causando sequelas e até mortes, quase sempre atribuídas a Deus.
Muitas culturas não possuem recomendações de uso de defensivos, pela pouca relevância econômica, mas são continua e necessariamente produzidas e consumidas. Aqui, imprescindível a atuação oficial, na área da pesquisa agronômica e geração de tecnologia.
O consumidor, pela preferência que dispensa a produtos agrícolas de aparência impecável, acaba premiando o agricultor que utiliza de maneira intensiva e por vezes errônea defensivos. Produtos de bela imagem são comercializados com maior facilidade, a preços mais atraentes.
Um furinho no pepino, ou uma manchinha no pimentão, podem ser sinais de poucos defensivos, mas acabam descartados, por grande parte dos consumidores. O leite que recebeu adição de uma água qualquer, quando in natura, tem a aparência de maior teor de gordura, quando comparado ao leite pasteurizado e padronizado.
Moradores do interior, mormente de pequenas cidades, possuem o privilégio de conhecer pessoalmente os produtores, e basta meia hora de conversa, na padaria da praça, para saberem quem costuma abusar do uso de defensivos agrícolas.
pedroinovaes@uol.com.br
O autor é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

SAIBA MAIS DETALHES SORE CRIMES HEDIONDOS

Crimes Hediondos: dicas rápidas que podem salvar uma questão em sua prova


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Como adotamos o critério legal, são hediondos somente os crimes elencados no art. da Lei 8.072/90. Por essa razão, não se fala, por exemplo, em hediondez na hipótese de homicídio do Presidente da República, pois o art. 29 da Lei 7.170/83 não integra o rol.
São hediondos os seguintes delitos:
  • homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, incisos I, II, III, IV, V, VI e VII)
  • lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts.1422 e1444 daConstituição Federall, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;
  • latrocínio (art. 157, § 3º, in fine)
  • extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º)
  • extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lº, 2º e 3º)
  • estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º)
  • estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º)
  • epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º)
  • falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B)
  • favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º)
  • genocídio (Lei 2.889/56).
Infelizmente, o rol dos crimes hediondos está entre aqueles assuntos que devem ser memorizados. Em prova, dificilmente será questionado se um crime X é o não hediondo. No entanto, é possível que a banca pergunte a respeito de prazos de prisão temporária ou de progressão de regime na hipótese de determinado delito, diferenciados em crimes hediondos.
Fique esperto: a tentativa não afasta a hediondez! Portanto, na hipótese de tentativa de estupro ou de homicídio qualificado, por exemplo, o crime permanecerá hediondo, devendo ser aplicada a Lei 8.072/90.
As “pegadinhas” em relação ao homicídio na Lei de Crimes Hediondos são sempre as mesmas. Questionarão se é possível a existência de um grupo de extermínio composto por uma única pessoa – a redação do art. 1º, inciso I, pode fazer com que o leitor chegue a tal conclusão. A resposta é não. O que o dispositivo quis dizer: não é preciso que todos os integrantes do grupo de extermínio participem da execução do homicídio para o reconhecimento de sua existência ou de sua hediondez.
Há divergência quanto ao número mínimo de integrantes de um grupo de extermínio. A Lei 8.072/90 não diz, mas boa parte da doutrina entende que a formação é a mesma da associação criminosa (CP, art. 288): três ou mais pessoas.
Não confunda grupo de extermínio com concurso de pessoas. Se Caio, Tício e Mévio decidem matar João, a hipótese será de homicídio em concurso de pessoas, e não de grupo de extermínio. Por outro lado, se o trio decide matar torcedores de determinado time, estará caracterizado o grupo de extermínio. Explico: a principal característica do homicídio em atividade típica de grupo de extermínio é a impessoalidade. A vítima é assassinada em razão de alguma característica especial (ex.: ser mendigo), e não por ser A ou B. A sua identidade é irrelevante para o homicida.
Em Direito, há exceção para tudo. No entanto, em relação às qualificadoras do homicídio, fique esperto: todas elas tornam o crime hediondo.
No § 1º do art. 121 do CP está previsto o intitulado homicídio privilegiado – na verdade, não é privilégio, mas causa de diminuição de pena -, hipótese em que o agente mata “impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima”. Não é crime hediondo, pois não está no rol do art.  da Lei 8.072/90.
Todavia, há uma situação que pode causar confusão: a do homicídio qualificado-privilegiado. Explico: O § 2º do art. 121 do CP possui qualificadoras de natureza objetiva (incisos III e IV) e subjetiva (I, II, V e VI). O homicídio privilegiado é compatível com as qualificadoras de natureza objetiva (ex.: o pai que mata o estuprador da filha com o emprego de veneno). Neste caso, o homicídio será considerado, ao mesmo tempo, qualificado e privilegiado. Surge, então, a dúvida? Ele será hediondo? A resposta é não. A razão: em primeiro lugar, não há previsão no art.  da Lei8.072/90. Ademais, não seria coerente, em um mesmo contexto, diminuir a pena e impor os malefícios da Lei dos Crimes Hediondos.
Agora, imagine a seguinte situação: Tício, agindo com vontade de matar por motivo torpe – logo, qualificado -, dispara tiros contra Mévio. No entanto, por erro na execução, atinge Caio, que vem a falecer. Pergunto: o fato de Tício atingir pessoa diversa da pretendida afasta a hediondez do crime? E se Tício confundisse as vítimas, e, ao invés de atirar em seu inimigo, matasse o seu irmão gêmeo? Nas duas hipóteses, o homicídio será hediondo. Isso porque, tanto na hipótese de “aberratio ictus” (CP, art. 73) quanto na de “erro sobre a pessoa” (CP, art. 20§ 3º), leva-se em consideração a vítima pretendida, e não a efetivamente atingida. Logo, se o homicídio foi praticado por motivo torpe (ou presente outra qualificadora), ele será hediondo, ainda que o agente não mate a vítima desejada, mas pessoa diversa.
Em 2009, o CP passou a contar com o § 3º em seu art. 158 (extorsão), com a seguinte redação: “Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente.”. Trata-se do intitulado “sequestro relâmpago”, que, por razões inexplicáveis, não foi incluído ao rol de crimes hediondos, ainda que ocorra a morte da vítima. Alguns autores entendem que o delito seria hediondo em razão da remissão que o dispositivo faz ao art. 159, §§ 2º e 3º, mas o raciocínio não deve prevalecer, pois, como já dito, o critério adotado para que um crime seja considerado hediondo é o legal. Ou seja, se um delito estiver no rol do art.  da Lei 8.072/90, é hediondo. Senão, não.
São equiparados aos crimes hediondos o tráfico de drogas, o terrorismo e a tortura. Significa dizer que a Lei 8.072/90 é aplicável a eles, exceto quanto ao que lei própria dispuser de outra forma. Por isso, as disposições da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas) e da Lei 9.455/97 (Lei de Tortura) devem prevalecer quando em conflito com a Lei de Crimes Hediondos (princípio da especialidade), que deve funcionar como norma geral.
Os crimes hediondos e equiparados são insuscetíveis de anistia, graça, indulto e fiança.
Perceba que o que a Lei 8.072/90 veda, em seu art. II, é a fiança, e não a liberdade provisória. Portanto, é possível que o acusado por um crime hediondo aguarde o desfecho da ação penal solto. O que não é possível, no entanto, é que a liberdade seja condicionada ao pagamento de fiança, por expressa vedação legal, mas o juiz não está impedido de impor outra das medidas cautelares do art. 319 doCPP.
No art. § 1º, a Lei 8.072/90 afirma que o condenado por crime hediondo iniciará o cumprimento da pena necessariamente em regime fechado, pouco importando o “quantum” de pena fixado. Todavia, o STF, ao julgar o HC 111.840/ES, declarou, em controle difuso, a inconstitucionalidade do dispositivo, e entendeu que o condenado por crime hediondo pode iniciar o cumprimento da pena em regime diverso (aberto ou semiaberto). Significa dizer que o dispositivo permanece em pleno vigor, mas tem sido afastado pelos Tribunais Superiores. O STJ tem seguido o entendimento, como é possível constatar no HC 306.352/SP, publicado no dia 24 de fevereiro de 2015.
A progressão de regime em crimes hediondos se dá com 2/5 (dois quintos), se primário o condenado, ou 3/5 (três quintos), se reincidente. É importante que o leitor memorize as frações, pois são cobradas em provas.
Em relação à prisão temporária, os prazos na Lei 8.072/90 são diferenciados. Em regra, a prisão temporária pode ser decretada por 5 (cinco) dias, prorrogáveis por mais 5 (cinco) dias. Tratando-se, no entanto, de crime hediondo, o prazo é de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade. No entanto, atenção: alguns crimes hediondos não estão no rol da Lei7.960/89, que prevê, em seu art. III, quais delitos estão sujeitos à medida. Como o rol é taxativo, é possível afirmar que alguns crimes hediondos não são passíveis de prisão temporária do agente que os pratica (ex.: a hipótese do inciso I-A, a lesão corporal contra determinados agentes públicos, incluído pela Lei 13.142/15).
A Lei 8.072/90, em seu art. § 3º, transmite a ideia de que, proferida a sentença condenatória, ainda que não tenha ocorrido o trânsito em julgado, o acusado deverá, em regra, ser preso, ainda que recorra da decisão – “Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.”. Entretanto, o fato de estar sendo acusado por um crime de maior gravidade não retira do réu garantias constitucionais a todos garantidas, como a presunção de inocência ou de não culpabilidade. Portanto, se o acusado permaneceu solto até a sentença condenatória, só será possível a decretação da prisão preventiva se presentes os requisitos do art. 312 do CPP, senão, ele deverá permanecer solto, não podendo o juiz vincular o conhecimento do recurso ao recolhimento à prisão.

NEYMAR E A LIBERDADE RELIGIOSA

Neymar e a liberdade religiosa

A controvérsia e a bem-aventurança.


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Após Neymar usar uma faixa escrito “100% Jesus” na testa, Juca Kfouri e Marcelo Rubens Paiva publicaram comentários em seus respectivos blogs. Reproduzo-os a seguir comentando cada um deles.
Na Copa do Mundo, ano passado, o genial brasileiro vendeu cuecas e depois negou. Agora, na Liga dos Campeões, pôs Jesus no jogo desnecessariamente, como já havia feito antes, sempre esquecido de que os derrotados também podem tê-lo em seus corações. Seria tão melhor se certas intimidades fossem como deveriam ser, isto é, apenas íntimas. Até porque, convenhamos, precisar Neymar não precisa. (Juca Jfouri[1])
Caro Juca,
Gosto de você. Quanto ao seu comentário, no entanto, quem tem que ir "menos" é você. Menos, Juca, menos. Menos desrespeito à liberdade religiosa. Menos preconceito religioso, Juca, menos.
Anoto que não acho boa a ideia de pressupor que o gesto da testeira seja igual ao da cueca. Pode até ser que um dia aparece uma marca “100% Jesus” à venda, mas não me parece que tenha sido um movimento comercial. Você está julgando mal o rapaz, é o que acho.
Você disse que ele citou Jesus “desnecessariamente”. Quem lhe colocou na posição de censor da religiosidade do Neymar? Ainda que celebridade, Neymar tem o direito a ter e a expressar sua fé. Aliás, toda pessoa tem o direito de professar sua fé na forma como julgar adequada. Isso está em todas as declarações de Direitos Humanos e na nossa Constituição Federal.
O fato de você, ou qualquer outra pessoa, não querer expressar sua fé não significa que seu modo de ver as coisas seja o correto. Você considera isso uma “intimidade”, mas quem disse que o Neymar ou qualquer outro tem que considerar sua fé algo “íntimo”? A fé também tem foro íntimo, mas não tem que ficar limitada a esse plano. Se pesquisar um pouco a Bíblia verá que faz parte da religiosidade cristã assumir a fé. Querer levar a fé para o íntimo, circunscrita a espaços privados é um postulado materialista que não tem base legal, constitucional etc. Não aceitamos essa ideia de guetos. Não aceitamos a ideia de degredar nossa fé em Jesus. Isso é Jesusfobia.
Voltemos ao que pensam os cristãos. Jesus disse: “Quem, pois, me confessar diante dos homens, eu também o confessarei diante do meu Pai que está nos céus. Mas aquele que me negar diante dos homens, eu também o negarei diante do meu Pai que está nos céus” (Mateus 10:32,33). Então, confessar Jesus como fez Neymar, é algo típico da fé cristã.
Jesus também diz para sermos brilhantes e darmos a Deus toda a glória por isso. Isso foi o que Neymar fez. Brilhante, você mesmo disse que ele foi. Jesus disse: “Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus” (Mateus 5:16).
Juca, você também criticou Neymar dizendo que ele estaria “esquecido de que os derrotados também podem tê-lo em seus corações”. Ora, desde quando o vencedor agradecer a Jesus significa que os derrotados não têm ou não poderiam ter Jesus? Cito aqui outro cristão que honra a Jesus: o zagueiro David Luiz. Quando ele fez aquele belo gol na Copa, disse que dava toda a glória a Jesus. Direito dele fazer isso. Ou você dirá também... Menos, David Luiz, menos? Cito o caso, pois quando levamos o 7 x 1 da Alemanha o mesmo David Luiz teve em Jesus consolo e companhia em um momento difícil. É assim, Juca: Jesus está conosco em todos os momentos.
As únicas coisas certas que você falou nessa matéria foram, uma, que Neymar é brilhante e, outra, que, “convenhamos, precisar Neymar não precisa”. Realmente não precisa. Ele poderia ficar calado e atender aos reclamos de uma sociedade que persegue a fé e critica toda manifestação religiosa. Ele poderia ficar calado, sim, mas agiu como cristão. Ele assim fez porque quis, porque é um direito dele, porque quis honrar a Jesus.
Jesus, a quem cito novamente, antecipou a notícia da sua crítica ao Neymar. Sim, Juca, Jesus profetizou que você iria criticar Neymar. Está no Sermão do Monte, em Mateus 5:11 e 12: “Bem-aventurados serão vocês quando, por minha causa os insultarem, perseguirem e levantarem todo tipo de calúnia contra vocês. Alegrem-se e regozijem-se, porque grande é a recompensa de vocês nos céus, pois da mesma forma perseguiram os profetas que viveram antes de vocês”. Então, só posso dizer uma coisa: Bem-aventurado, brilhante Neymar, Bem-aventurado!
Outra coisa comum nos cristãos, eu faço agora, que é um convite: Juca, se você deixar Jesus entrar no seu coração vai ser muito bom. Ele traz descanso para nossas almas, ele é manso e humilde de coração, o seu jugo é suave e o seu fardo é leve (Mateus 11:28,30).
Deve ser idolatrado por crianças palestinas, africanas, asiáticas, árabes, eslavas, por ortodoxas, judias, muçulmanas, budistas, agnósticas (32,2% da China), xintoísta, hinduístas (mais de 1 bilhão).
Mas decidiu homenagear apenas um grupo religioso, na sua grande conquista (o único jogador do time com uma faixa no cabelo): 100% JESUS.
Neymar foi o assunto mais comentado do Twitter no final da tarde de ontem. Muitos não entenderam a faixa. Foi um dos nomes do jogo, com uma assistência genial, uma arrancada e um gol no final. Com Messi baleado, infernizou a defesa adversária, roubou bolas, teve um gol anulado, cavou faltas. Era sábado, final da Champions, o jogo de clubes mais esperado do ano. Barça contra Juve, dois times 5 vezes campeão. A escola espanhola contra a italiana.
Graças a NEYMAR, deu Barça, o time que “é mais que um clube” (seu slogan). O jogo teve quase 1 bilhão de espectadores no mundo todo. Barça talvez seja o time mais popular. Neymar, um dos 3 grandes ídolos internacionais, com Messi e Cristiano Ronaldo, empatados na artilharia da Champions.
Fãs que acompanham o jogador há anos logo lembraram que, em outras finais importantes da carreira, ele comemorou com a mesma faixa. Perguntei no Twitter, por quê?
Muitos disseram que ele é livre para manifestar sua fé. E é mesmo. Apesar do time que até 2013 se vangloriava de não ser patrocinado por nenhuma empresa, ser agora patrocinado pela Qatar Airways, do país Catar (Qatar), em que 80% são muçulmanos, seguidores do Islã.
“100% mico”, tuitaram alguns.
@mendesoswaldo tuitou: “100% Jesus é para o Santos não cobrar sua (dele) parte?”
@bel_fernanda: “Para dar um de bom moço pra torcida do Brasiiiillll”
@psergiomatos: “Pra quem tá com a Receita no encalço tudo pode ajudar…”
@jumio: “0% pra Receita Federal”
@DonCrspulo: “Completou o Download”
O apresentador e meu ex-vizinho Sidney Garambone: “Jesus é catalão?”
Sou fã de Neymar, e mais ainda de Jesus. Mas sei que cada um deve estar no seu tempo e lugar. 100% desnecessário. (Marcelo Rubens Paiva[2])
Caro Marcelo Rubens Paiva,
Critiquei a intolerância e preconceito do Juca Kfouri. Depois, li sua matéria e a primeira coisa que pensei foi: esta aqui foi educada, inteligente, bem escrita etc. Parabéns pela sua cordialidade e argumentos. Mesmo assim, permita-me discordar de alguns pontos.
Acho que talvez Neymar esteja mal assessorado, mas em pontos como os que tratam dos problemas tributários. Ele, como todo brasileiro, é achacado pelo furor fiscal e espero que resolva logo essa desagradável questão.
Discordo, porém, da sua visão de que ele quis homenagear apenas um grupo religioso. A meu ver, ele quis homenagear Jesus mesmo. De fato, se fosse para fazer “média”, poderíamos fazer uma lista “melhor” de coisas para colocar na testeira.
Acho que ele tem o direito de não ser patrocinado, se vangloriar disso, e mudar de ideia. Por que não teria? E se 80% das pessoas no Qatar são muçulmanos, penso que ele merece nosso aplauso por não se curvar mais aos interesses comerciais do que ao seu Deus. Criticam-no por ser “marqueteiro” e esquecem o quanto ele se “queima” ao assumir a faixa. Basta ver o quanto “bateram” nele por assumir sua fé. Paradoxo, não?
Sobre o mundo muçulmano, vale dizer que Jesus é considerado o terceiro profeta mais importante do Islã, o que não impede de cristãos estarem sendo assassinados e violentados, e estarem perdendo casas e empregos por lá. Não sei se a faixa do Neymar fará algum efeito, mas imagino que tenha seu lugar em um mundo cada vez mais intolerante. A tolerância faz com que todos possam expressar sua fé e isso não deveria ofender as pessoas. Liberdade religiosa.
Claro que existe uma tentativa de colocar a fé em guetos, excluindo do espaço público suas manifestações. Isso não é ser Estado laico, isso é ser Estado confessional ateu. Querem tirar a fé das televisões, dos partidos, de tudo. Podemos ter qualquer lixo na TV, mas o “lixo” religioso, não. Podemos nos candidatar a cargos eletivos dizendo que somos de esquerda, ou latifundiários, ou do Vasco ou até por sermos palhaços, mas dizer que é por sermos cristãos, isso não pode. Mas voltemos ao Neymar.
Outro ponto curioso é que neste país aplaudimos pouco as coisas certas. Quantos lembram que Neymar assumiu um filho de forma discreta e tranquila? Enquanto muitos atletas fogem de suas responsabilidades e um chegou até mesmo a matar a futura mãe, que bom exemplo nos deu o rapaz! Mas não, as coisas certas não contam. Parece que só tem graça falar dos erros e, através deles, desqualificar os acertos. Ou, alguém não considera “acerto” assumir sua fé e que os eventuais erros não impeçam as pessoas de exercer seus direitos tais como, no caso, o de expressão do pensamento e sua liberdade religiosa.
Quantos sonegadores do dia a dia, quantos que usam produtos piratas, quantos que não emitem notas fiscais devem estar se deliciando ao falar que Neymar deve à Receita... E por isso não poderia assumir sua fé apesar dos riscos. Riscos que vão desde as críticas ferozes (não a sua, a sua foi educada) até eventualmente perder patrocínios. Dentro de uma visão puramente comercial e de marketing, certamente seria falta de boa assessoria, mas dentro da visão cristã, é assumir Jesus. Jesus disse que aqueles que o confessarem diante dos homens serão confessados por Jesus diante do Pai. Não me parece ser, aqui, um erro de assessoria, mas uma escolha.
Jesus também disse que não se acende uma lâmpada para ela ser colocada embaixo da mesa, mas antes, deve ela iluminar. Jesus quer que sejamos sal e luz, e que o confessemos. Coisas bem religiosas em um tempo no qual o mundo está com má vontade com os religiosos e suas coisas. Não se pode ofender ninguém, salvo Deus; não se pode ter preconceito contra ninguém, salvo os crentes; não se pode desrespeitar ninguém, mas toleram muito bem o vilipêndio aos símbolos religiosos.
O postulado pós-modernista, materialista e relativista prefere que não se misture religião com mais nada. Nesse viés, faz sentido dizer que “cada um deve estar no seu tempo e lugar”. Mas Jesus diz que devemos misturar o que ele recomenda em todos os aspectos de nossa vida. Nessa ótica, sempre é tempo e lugar de render glórias a Jesus. É o que Jesus diz: Sejam brilhantes e usem isso para glorificar a Deus (Mateus 5:16). Uma forma de agir protegida pelos direitos humanos, anoto.
Todos os cristãos, mesmos sendo pecadores, devem render graças a Jesus. Nós o glorificamos no momento das vitórias e das derrotas. Penso que essa faixa, que já vem sendo usada desde antes dos tempos de patrocinadores poderosos, não é desnecessária e nem um erro de marketing. É uma escolha.

William Douglas é Juiz Federal/RJ, professor universitário, autor. Considerado o maior especialista em concursos pela Revista Veja, Você S/A e Valor Econômico. Em 2012, figurou em 1º lugar nas principais listas de livros mais vendidos do país. Possui mais de 700mil livros vendidos.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

TENHO VERGONHA DE SER JUIZ


Tenho vergonha de ser juiz


Por João Batista Damasceno

Tenho vergonha de dizer que sou juiz. E não preciso dizê-lo. No fórum, o lugar que ocupo diz quem eu sou; fora dele seria exploração de prestígio. Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque não o sou. Apenas ocupo um cargo com este nome e busco desempenhar responsavelmente suas atribuições.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz, pois podem me perguntar sobre bolso nas togas.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz e demonstrar minha incompetência em melhorar o mundo no qual vivo, apesar de sempre ter batalhado pela justiça, de ter-me cercado de gente séria e de ter primado pela ética.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz e ter que confessar minha incompetência na luta pela democracia e ter que testemunhar a derrocada dos valores republicanos, a ascensão do carreirismo e do patrimonialismo que confunde o público com o privado e se apropria do que deveria ser comum.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz e ter que responder porque — apesar de ter sempre lutado pela liberdade — o fascismo bate à nossa porta, desdenha do Direito, da cidadania e da justiça e encarcera e mata livremente.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque posso ser lembrado da ausência de sensatez nos julgamentos, da negligência com os direitos dos excluídos, na demasiada preocupação com os auxílios moradia, transporte, alimentação, aperfeiçoamento e educação, em prejuízo dos valores que poderiam reforçar os laços sociais.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque posso ser confrontado com a indiferença com os que clamam por justiça, com a falta de racionalidade que deveria orientar os julgamentos e com a vingança mesquinha e rasteira de quem usurpa a toga que veste sem merecimento.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque posso ser lembrado da passividade diante da injustiça, das desculpas para os descasos cotidianos, da falta de humanidade para reconhecer os erros que se cometem em nome da justiça e de todos os “floreios”, sinônimos e figuras de linguagem para justificar atos abomináveis.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque faço parte de um Poder do Estado que nem sempre reconheço como aquele que trilha pelos caminhos que idealizei quando iniciei o estudo do Direito.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque tenho vergonha por ser fraco, por não conhecer os caminhos pelos quais poderia andar com meus companheiros para construir uma justiça substancial e não apenas formal.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz, mas não perco a garra, não abandono minhas ilusões e nem me dobro ao cansaço. Não me aparto da justiça que se encontra no horizonte, ainda que ela se distancie de mim a cada passo que dou em sua direção, porque eu a amo e vibro ao vê-la em cada despertar dos meus concidadãos para a labuta diária e porque o caminhar em direção a ela é que me põe em movimento.
Acredito na humanidade e na sua capacidade de se reinventar, assim como na transitoriedade do triunfo da injustiça. Apesar de testemunhar o triunfo das nulidades, de ver prosperar a mediocridade, de ver crescer a iniquidade e de agigantaram-se os poderes nas mãos dos inescrupulosos, não desanimo da virtude, não rio da honra e não tenho vergonha de ser honesto.
Tenho vergonha de ser juiz em razão das minhas fraquezas diante da grandeza dos que atravancam o caminho da justiça que eu gostaria de ver plena. Mas, eles passarão!
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política e juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).