quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Repatriação de capitais nas republiquetas cleptocratas

A repatriação de capitais nas republiquetas cleptocratas


Publicado por Luiz Flávio Gomes - 6 horas atrás
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Está em pauta no Senado o projeto de lei 298/15, de autoria de Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que pretende regularizar desavergonhadamente a “repatriação de capitais” criminosos enviados por “barões sonegadores” ao exterior (sem comunicar o Fisco, obviamente). As leis deveriam ser iguais para todos, mas essa não é a realidade do nosso País. No Brasil (aliás, em praticamente toda América Latina), “As constituições são feitas para não serem cumpridas, as leis existem para serem violadas, tudo em proveito de indivíduos e oligarquias: trata-se de fenômeno corrente em toda a história da América do Sul. É em vão que os políticos imaginam interessar-se mais pelos princípios [éticos e morais] do que pelos homens: seus próprios atos representam o desmentido flagrante dessa pretensão” (S. B. De Holanda, Raízes do Brasil).
Documentos internacionais comprovam que no Brasil vigora um sistema de dominação de classes não apenas extrativista e parasitário (cf. Manoel Bomfim, A América Latina), senão também criminoso. Segundo o relatório “Brasil: Fuga de Capitais, os Fluxos Ilícitos, e as Crises Macroeconômicas, 1960-2012”, publicado pela Tax Justice Network, a partir de análise do período de 1960 a 2012, os brasileiros teriam (no exterior) US$ 590 bi irregulares (não declarados ou declarados parcialmente, sem distinguir entre origem lícita e origem ilícita). Quanto à origem lícita, a estimativa é de US$ 189 bi (diz Heleno Torres). A estimativa da Global Financial Integrity afirma que o fluxo financeiro ilícito entre 1960 e 2012 somou US$ 401,6 bilhões.[1]
Várias vezes o Congresso Nacional já tentou “legalizar” (repatriar) esse turbilhão de dólares que são evadidos anualmente da nossa economia. Ganha-se o dinheiro aqui (alguns de forma lícita, outros de forma abertamente ilícita), mas ele é devidamente “guardado” e, eventualmente, tributado fora do Brasil, particularmente nos paraísos fiscais como a Suíça, em bancos lavadores de dinheiro como o HSBC (cf. Hervé Falciani, Evasores).
O Brasil, no entanto, não é considerado uma das republiquetas mais cleptocratas do planeta em virtude da sonegação fiscal e evasão de divisas por parte das bandas podres dos senhores neofeudais (donos do poder) e cidadãos abastados que aparecem logo abaixo na hierarquia $ocial (a evasão é comum também em muitas repúblicas), senão, sobretudo, pela permissividade, complacência e leniência com que os governos cleptocratas (apoiados por fortes setores da mídia) tratam as imoralidades e ilegalidades das classes plutocratas (governo dos ricos, não necessariamente dos mais sábios como imaginam Aristóteles e Platão) e oligarcas (os poucos ricos que mandam na governabilidade por meio de um capitalismo cartelizado e de compadres, que eles dominam), dificultando o processo de internalização das normas vigentes no País.
Aqui os plutocratas, oligarcas e cleptocratas não se julgam acima da lei por acaso. O mensalão do PT e a Operação Lava Jato constituem algo institucionalmente positivo, mas ainda não foram suficientes para mudar o cenário nacional de impunidade (está aí o mensalão do PSDB como prova de leniência da Justiça com a cleptocracia).
É assim que o Brasil é governado, “por continuidades mais do que por rupturas com o seu passado” (Mota e Lopez, História do Brasil: uma interpretação). Somos um País em que podemos reproduzir sem rebuços a frase de William Faulkner: “O passado nunca morre; ele nem é passado”. “A História do Brasil sempre foi um negócio” (disse Caio Prado Jr.). O projeto de repatriação de capitais criminosos levados ao exterior, com anistia da responsabilidade criminal, não desmente, antes confirma, uma vez mais essa tese. A leniência e complacência da administração pública com os interesses das classes dominantes (qualquer que seja ela: de direita ou de esquerda, conservadora ou liberal) faz parte da estratégia e da metodologia da brutal dominação social.
E por que a classe política sempre se dobra às classes poderosas econômicas e financeiras, onde reinam muitos senhores neofeudais? Porque os políticos são financiados pelos poderosos econômicos, que “corrompem” a independência do Parlamentar (que passa a tratar com prioridade os interesses desses grupos financiadores). De cada 10 deputados federais, 7 foram financiados (“corrompidos em sua independência”) pelos 10 doadores empresarias que mais “investiram” nos políticos (cf. Portal Estadão 8/11/14).
São 360 dos 513 deputados, distribuídos em 23 partidos diferentes. O dinheiro dos financiadores não têm cor nem ideologia. O fundamental para o sistema de dominação é ter o controle do poder político. Tudo e todos (incluindo, particularmente, o poder político e o poder midiático) devem estar sob suas rédeas. Com o sistema de dominação de uma sociedade não se brinca. Os dez maiores financiadores são: JBS (bancada do bife), Bradesco e Itaú (bancada dos bancos), OAS, Andrade Gutierrez, Odebrecht, UTC e Queiroz Galvão (bancada das betoneiras ou do concreto), Grupo Vale (bancada dos minérios) e Ambev (bancada das bebidas). Além dessas ainda existem as bancadas da bola, da bala, da bíblia etc. O STF já votou (majoritariamente) pela inconstitucionalidade desse financiamento empresarial, mas o processo está em poder do min. Gilmar Mendes desde abril de 2014.
Saiba mais
16 doadores de campanha estão nos arquivos do HSBC da Suíça
Fernando Rodrigues (19/3/15)
Vale a pena transcrever a seguinte postagem de Fernando Rodrigues:
“Empresários deram R$ 5,824 milhões para candidatos do PSDB, PT e outros partidos em 2014.Doadores incluem Armínio Fraga (ex-BC), Benjamin Steinbruch (CSN) e apresentador Ratinho (SBT).Alguns mostram documentos e negam irregularidades; outros não falam – leia texto abaixo
“Ao menos 16 grandes doadores da campanha eleitoral de 2014 também estiveram, em algum momento, relacionados a contas na agência do HSBC, em Genébra, na Suíça. Essas pessoas deram R$ 5,824 milhões a políticos e a partidos no ano passado.
“Os dados são o resultado de um meticuloso cruzamento das doações acima de R$ 50 mil com os registros de 8.667 clientes relacionados ao Brasil e presentes nos arquivos do HSBC da Suíça nos anos 2006 e 2007.
“Ao todo, 142.568 pessoas físicas doaram para campanhas políticas em 2014 –nem sempre dinheiro, mas também algum serviço ou produto que foi precificado na prestação de contas. Nesse universo, apenas 976 doaram R$ 50 mil ou mais para candidatos no ano passado.
“Esses 976 deram R$ 170,6 milhões para as campanhas de 2014. O UOL analisou esse grupo de financiadores, cruzando cada um dos nomes com o banco de dados dos 8.667 clientes relacionados a contas no HSBC na Suíça.
“Foram encontrados 16 grandes doadores de 2014 citados no caso SwissLeaks –a série de reportagens que analisa dados vazados do HSBC em 2008, numa iniciativa do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) em parceria com o jornal francês “Le Monde”. No Brasil, a apuração é conduzida com exclusividade pelo UOL e pelo “Globo”.
“Os 16 nomes encontrados foram os seguintes: Alceu Elias Feldmann (Grupo Fertipar); Armínio Fraga Neto (ex-presidente do Banco Central); Benjamin Steinbruch (CSN); Carlos Roberto Massa (o apresentador Ratinho, do SBT); Cesar Ades (presidente do Banco Rendimento); Cláudio Szajman (VR, Vale Refeição); Edmundo Rossi Cuppoloni (ex-sócio da Rossi Residencial); Fábio Roberto Chimenti Auriemo (acionista da incorporadora JHSF); Francisco Humberto Bezerra (ex-sócio do BicBanco); Gabriel Gananian (dono da Steco Construtora); Hilda Diruhy Burmaian (Banco Sofisa); Jacks Rabinovich (CSN); José Antonio de Magalhães Lins (sócio da Axelpar); Miguel Ricardo Gatti Calmon Nogueira da Gama (advogado, OAB-SP); Paulo Roberto Cesso (nono do Colégio Torricelli) e Roberto Balls Sallouti (BTG Pactual).
Abaixo, os dados das referidas contas (clique na imagem para ampliar):
A repatriao de capitais nas republiquetas cleptocratas
Consultados, esses doadores em sua maioria negaram irregularidades. Em alguns casos, foram generosos na apresentação de documentos para explicar a legalidade de suas contas na Suíça, como mostra o post abaixo.
Ter uma conta na Suíça ou em qualquer outro país não é ilegal, desde que seja uma operação declarada à Receita Federal e informada ao Banco Central.
As doações eleitorais foram para candidatos de vários partidos. Receberam dinheiro desse grupo de 16 financiadores relacionados a contas na Suíça as campanhas a presidente em 2014 de Aécio Neves (PSDB) e de Marina Silva (PSB). O comitê de Dilma Rousseff não ganhou recursos diretamente, mas o PT está na lista por meio de diretórios da legenda.
Ao todo, os tucanos se saíram melhores na coleta de fundos nesse ecossistema de doadores relacionados ao SwissLeaks. Aécio Neves e outros candidatos do PSDB e diretórios do partido receberam R$ 2,925 milhões. Já o PT e seus candidatos tiveram R$ 1,505 milhão de doações desses financiadores em 2014.
Foram 12 os partidos dos políticos que receberam doações dos clientes do HSBC. Além de PSDB e PT, as outras siglas foram as seguintes: PMDB (R$ 578 mil); PSC (R$ 254,1 mil); PTB (R$ 200 mil); Pros (R$ 120 mil); PSB (R$ 100 mil); PRB (R$ 50 mil); PPS (R$ 50 mil); DEM (R$ 30 mil); PV (R$ 10 mil) e PSDC (R$ 2.272,50).
É difícil precisar quanto esses 16 doadores de dinheiro para políticos guardavam na Suíça nos anos de 2006 e de 2007, período ao qual se referem as informações vazadas do HSBC de Genébra. Muitas vezes, os dados mostram apenas o “maior valor registrado”, mas isso não é o mesmo que o saldo total.
Em alguns casos, como o do empresário Benjamin Steinbruch (que afirma ter declarado todos os depósitos), aparecem vários números de contas e cifras. Ele tem atribuído ao seu nome um valor máximo depositado de US$ 207,3 milhões no HSBC de Genébra nos anos de 2006 e 2007.
Há também situações em que o dinheiro está relacionado no HSBC apenas a um fundo ou empresa. Mas os vazamentos de informações do banco incluíram arquivos que relacionam fundos de investimentos e empresas em paraísos fiscais aos seus verdadeiros donos. Dessa forma é possível saber a quem pertence cada conta.
Há ainda clientes que são apenas beneficiários de uma determinada conta –e não têm necessariamente acesso total ao valor depositado. Chama a atenção também o fato de que a maioria dos clientes do HSBC tem uma preferência por abrir empresas em paraísos fiscais como Ilhas Virgens Britânicas ou Panamá. Com menos frequência aparecem Uruguai e Bahamas.
Dos 16 clientes do HSBC analisados neste cruzamento com doadores de campanha, 10 ainda apareciam no banco com contas abertas e em operação quando os dados foram vazados.
Na tabela abaixo, as respostas enviadas à reportagem pelas pessoas citadas e para quem eles doaram(clique para ampliar):
A repatriao de capitais nas republiquetas cleptocratas
Participaram da apuração desta reportagem os jornalistas Bruno Lupion, do UOL, eChico OtavioCristina Tardáguila e Ruben Berta, do “Globo”.
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[1] Cf. Marcos Coimbra, Valor Econômico 18/8/15: A12.

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