quinta-feira, 30 de julho de 2015

Nosso apoio neofeudalista ao aparelhamento do PT foi um erro crasso


Nós, os senhores neofeudais, somos uma organização plutocrática (acreditamos, portanto, no governo dos mais ricos, não necessariamente dos mais sábios como imaginavam Aristóteles e Platão) e oligárquica (governo de poucos com capitalismo de compadrio, ou seja, um jogo econômico de cartas marcadas, onde já se sabe de antemão quem ganha e quem perde). Fundamos, em 1500, uma sociedadeneofeudalista (que busca a maior fidelidade possível a essa forma de organização social extremamente desigual, que vem da Idade Média). Coerentes com nossos programas, apoiamos e difundimos ideias ultraconservadoras e até mesmo racistase fascistas, mas sempre com o objetivo de preservar nossos superiores interesses, condensados no denominador comum da acumulação de capitais (a mais concentrada possível). Não importa quem está no governo (PT, PSDB, PMDB etc.), o fundamental é nunca perder o poder e o controle dos políticos.

Ao longo dos séculos fomos elaborando o nosso “contrato social”, inspirados em doutrinas alienígenas - Hobbes, Locke, Rousseau e tantos outros -, mas sem nunca deixar de o ajutar ao mesmo tempo à nossa realidade subequatorial (abaixo do equador tudo é possível, mesmo o que é proibido). Nós corremos riscos nos nossos negócios e vivemos evidentemente do nosso trabalho, mas também somos fortemente fomentados pelo parasitismo (exploração e extrativismo, de tudo e de todos). Como não existe nenhuma instituição perfeita, os mais arrojados do nosso clube modelo, sempre que as condições ambientais se mostram favoráveis, buscam também o enriquecimento por vias ilícitas. É o grupo dos cleptocratas (que estruturam os governos dos ladrões).
Nosso apoio neofeudalista ao aparelhamento do PT foi erro crasso
Temos um histórico de grandes êxitos neofeudalistas (em pleno século XXI, por exemplo, ainda estamos conseguindo segurar o Brasil com Índice Gini de 0,51, que é um dos mais desastrados do planeta). Construímos um Brasil oligarquicamente rico (aqui reside nosso primeiro grande triunfo), mas com serviços públicos paupérrimos, indecentes e deploráveis (nisso descansa nossa segunda glória). Nos últimos 13 anos, no entanto, cometemos muitos erros. O maior deles foi não termos avaliado corretamente o elevadíssimo risco que corríamos em promover o financiamentocorruptivo do aparelhamento do Estado para a preservação do poder nas mãos das bandas podres das esquerdas (que nunca foram nossa praia ideológica). Esse foi nosso maior erro em 515 anos. É isso, aliás, que explica o encarceramento de muitos dos nossos heroicos combatentes.
Acertamos no que diz respeito ao enriquecimento ilícito do nosso setor cleptocrata. A prosperidade foi imensa. Para nosso orgulho, alguns dos nossos cleptocratas (bancos, empreiteiras, meios de comunicação etc.) estão dentre as 500 maiores fortunas do planeta. Mas agora estamos amargando as consequências dramáticas desse enorme equívoco principiológico. Era mais do que previsível que o atual ódio do brasileiro contra a corrupção e o sempre desprezo pelas ideias progressistas - ódio que eclode, sobretudo, quando a economia vai mal - viesse alcançar não apenas os políticos à gauche e seus asseclas no presidencialismo de coalização, senão também os seus mantenedores e provedores (ou seja, seus mecenas, que fomos nós, os senhores neofeudais, os mais poderosos econômica e financeiramente).
Foi mesmo uma grande burrice nossa não atentar para a advertência de Dédalo a seu filho Ícaro: Ícaro e seu pai Dédalo (que era arquiteto) estavam refugiados em Creta, junto ao rei Minos. Depois do nascimento do seu filho Minotauro (corpo de homem e cabeça de touro), foi construído um labirinto para aprisioná-lo. Ele acabou sendo morto por Teseu (veja Wikipedia); Ícaro e Dédalo ficaram presos no labirinto. Estes, para reconquistarem a liberdade, construíram asas artificiais, usando cera do mel de abelhas e penas de gaivotas. Antes da fuga, o pai alertou o filho de que não podia voar perto do Sol, porque ele derreteria a cera das asas coladas ao seu corpo; nem muito perto do mar porque, se tocasse suas águas, suas asas ficariam muito pesadas. Ícaro não ouviu os conselhos do pai e, tomado pelo desejo, voou próximo ao Sol; o calor fez com que perdesse as asas e despencasse no mar Egeu, enquanto seu pai, aos prantos, voava para a costa.
Moral da narrativa: Ícaro pode voar alto, talvez até consiga atingir alturas impensáveis, mas não pode alcançar o cume, o topo, ou seja, o Sol. Nós, os senhores neofeudais, incluindo as bandas podres cleptocratas do nosso clube (com destaque para as empreiteiras, cf. Estranhas Catedrais), sempre praticamos nossas roubalheiras do dinheiro público (tanto nas democracias como nas ditaduras, seja em governos conservadores ou de esquerda, PT ou PSDB etc.), mas não podíamos nos aproximar da estrela solar das esquerdas que foram se corrompendo para a preservação do poder. Hoje sabemos que alguns se enriquecerem pessoalmente, mas o grande projeto era o aparelhamento do Estado para se perpuarem no comando da nação. Tudo isso foi financiado com o dinheiro da corrupção que nós, os senhores neofeudais, conquistamos. Agora o ódio da população se voltou contra nós também. Estamos em desgraça. Viramos estereótipo criminoso. Como é triste ver alguns dos nossos camaradas, depois de se lambuzaram de tanta corrupção, inclusive no programa “Minha Casa, Minha Vida”, estarem hoje presos em cubículos medievais, escrevendo suas biografias intituladas “Minha Cela, Minha Vida”.

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